Giordano Bruno
Giordano Bruno proclamava que milhares de mundos, sóis inumeráveis se achavam disseminados na infinita amplidão; que a Terra era um átomo lançado no espaço; não tinha importância especial nem preeminência com relação a outras terras, as quais também se moviam no etéreo espaço infinito; afirmava que tudo é perfeição e ordem na natureza, devendo ter-se como errada a doutrina que conferisse prerrogativas ao atrasado mundo em que habitamos.
Essas e outras profundas heresias fizeram-no subir à fogueira purificadora.
Na data de sua execução, que foi a 17 de fevereiro de 1600, as ruas da cidade de Roma estavam repletas de povo. Nada menos de cinquenta cardeais vieram para a grande festividade crematória. Por toda parte viam-se as filas de peregrinos, longas, intermináveis, com variado indumento, que se iam de igreja em igreja implorar o perdão de seus pecados, e encomendar as santas almas ao Criador.
No meio da plebe notavam-se príncipes e eminentíssimas personagens e não raro, atrás deles, o pontífice. De todas as bocas se erguiam preces; todos os joelhos baixavam à terra; as procissões desembocavam de todas as esquinas. Era uma demonstração nunca vista de humildade e brandura. Disseram-se em S. Pedro quarenta e uma mil e duzentas e trinta e nove missas (41.239), havendo, também, um número espantoso de comunhões.
Ouçamos, agora, Arturo Labriola e Lúcio Vero:
?Quell? immenso concorso di popolo ? i cronisti dei tempo fanno ascendere a tre milioni il numero dei pellegrini convenuti a Roma ? quel continuo pregare sem-bravano il segno piu sicuro che tutti i cuori dcmessero inclinare a misericórdia e perdono, e tutti congiungersi amorevoli nel Redentore pacifico deli? umanità. Pure non era cosi."
?Aquele imenso concurso de gente ? os cronistas do tempo faziam ascender a três milhões o número de peregrinos vindos a Roma ? aquelas contínuas rezas pareciam o mais seguro penhor de que todos os corações ali estavam para se inclinar à misericórdia e ao perdão, para se unirem, em amor, ao Redentor pacífico da humanidade. Mas tal não se dava.? (9-A)
De fato, não foi o que se viu. O pobre filósofo, cujo imenso crime era não estar ao nível da ignorância da época, nem concordar com a escravização do pensamento, foi ao suplício, acompanhado da imensa multidão que enxameava nas ruas e nos templos. Os sacerdotes empunhavam crucifixos; soldados e guardas conservavam as suas armas, como se temessem ainda o prisioneiro, que marchava a pé, sem um parente, sem um conhecido, sem um amigo ao lado, amarrado, acorrentado, encadeado, em direção ao local do martírio, que, por ironia, tinha o nome poético de Campo das Flores.
O cortejo fúnebre cantava litanias, fazia orações e lançava anátemas ao condenado.
Depois o puseram sobre as achas e lhes deitaram fogo, enquanto a multidão piedosa alternava os olhares entre o Céu e as chamas, como agradecendo àquele o esplendoroso espetáculo que estas lhe proporcionavam.
E assim se extinguiu, nas contorções do hediondo martírio, aquele homem ilustrado, clarividente, sincero e bom, mas que abalara a Igreja secular com as verdades que viera trazer ao mundo.
Resta-nos, hoje, no século das luzes, luzes certamente mais brandas, o consolo de que já não seremos queimados. Apenas, as verdades espíritas, na opinião de muitos, ainda se não podem ou se não devem dizer de público, pelo menos nas escolas.
(9-A) Arturo Labriola e Lúcio Vero ? ?Giordano Bruno?, pág. 87, Roma, Ed. Podrecca e Galantara.
Autor: Carlos Imbassahy
Fonte: Religião