Certo dia, um dos empregados de uma das cerâmicas e que estava terminando sua casa não tinha dinheiro para comprar o cimento para cimentar todo o seu terreno e lembrou do refugo da fábrica, caminhões e caminhões por dia que levavam esse refugo para ser enterrado num terreno abandonado perto da fábrica. O empregado pediu que ele pudesse recolher parte do refugo e usar na pavimentação do terreno de sua nova casa. Claro que a cerâmica topou na hora e ainda deu o transporte de graça pois com o uso do refugo deixava de gastar dinheiro com a disposição.
Agora a história começa a mudar por uma coisa linda que se chama arte. A maior parte do refugo recebida pelo empregado era de cacos cerâmicos vermelhos mas havia cacos amarelos e pretos também. O operário ao assentar os cacos cerâmicos fez inserir aqui e ali cacos pretos e amarelos quebrando a monotonia do vermelho contínuo. É, a entrada da casa do simples operário ficou bonitinha e gerou comentários dos vizinhos também trabalhadores da fábrica. Ai o assunto pegou fogo e todos começaram a pedir caquinhos o que a cerâmica adorou pois parte, pequena é verdade, do seu refugo começou a ter uso e sua disposição ser menos onerosa.
Mas o belo é contagiante e a solução começou a virar moda em geral e até jornais noticiavam a nova mania paulistana. A classe média adotou a solução do caquinho cerâmico vermelho com inclusões pretas e amarelas. Como a procura começou a crescer a diretoria comercial de uma das cerâmicas descobriu ali uma fonte de renda e passou a vender, a preços módicos é claro pois refugo é refugo, os cacos cerâmicos. O preço do metro quadrado do caquinho cerâmico era da ordem de 30% do caco integro (caco de boa família).
Até aqui esta historieta é racional e lógica pois refugo é refugo e material principal é material principal. Mas não contaram isso para os paulistanos e a onda do caquinho cerâmico cresceu e cresceu e cresceu e , acreditem quem quiser, começou a faltar caquinho cerâmico que começou a ser tão valioso como a peça integra e impoluta. Ah o mercado com suas leis ilógicas mas implacáveis.
Aconteceu o inacreditável. Na falta de caco as peças inteiras começaram a ser quebradas pela própria cerâmica. E é claro que os caquinhos subiram de preço ou seja o metro quadrado do refugo era mais caro que o metro quadrado da peça inteira… A desculpa para o irracional (!) era o custo industrial da operação de quebra, embora ninguém tenha descontado desse custo a perda industrial que gerara o problema ou melhor que gerara a febre do caquinho cerâmico.
De um produto economicamente negativo passou a um produto sem valor comercial a um produto com algum valor comercial até ao refugo valer mais que o produto original de boa família…
A história termina nos anos sessenta com o surgimento dos prédios em condomínio e a classe média que usava esse caquinho foi para esses prédios e a classe mais simples ou passou a ter lotes menores (4 x15m) ou foram morar em favelas.
São histórias da vida que precisam ser contadas para no mínimo se dizer:
– A arte cria o belo, e o marketing tenta explicar o mistério da peça quebrada valer mais que a peça inteira…
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