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Vade Mecum Espírita

A Lei; O Crime; A Responsabilidade


 

          Vamos narrar aqui um fato, por onde se verá que o médium ou os presentes não só deixaram de ter qualquer interferência que provocasse a mani­festação, como não a desejariam.

         O relato é do eminente psicólogo Ernesto Bozzano, que o publicou em «Luce e Ombra». Roma, 1920 Foi reproduzido pela «Revue Spirite», 1921, e consta do famoso repositório de Flammarion:

           “Estão presentes o Dr. Giuseppe Venzano, Er­nesto Bozzano, e o cavalheiro Cario Perreti, o Sr. X., a Sra. Giudetta Perreti e o médium L. P.

             Desde o começo, verificamos que o médium se encontra perturbado por uma razão desconhe­cida. O Espírito-guia não se manifesta, e L. P. tem os olhos fixos, com sensação de pavor, no ângulo esquerdo do aposento. Pouco depois, liber­ta-se dos seus contrôleurs, ergue-se e entra numa luta singularmente realista e impressionante con­tra um inimigo invisível. Logo profere gritos de terror, recua, lança-se ao chão, olha para um lado com espanto, depois foge para outra parte da sala, gritando:

              - Para trás. Vai-te embora. Não, não que­ro. Ajudem-me! Socorro!...

              Não sabendo que fazer, as testemunhas desta cena concentram com intensidade seus pensamen­tos no Espírito-guia e lhe invocam o auxílio. O processo foi eficaz, porque o médium se foi acal­mando, olhava com menos ansiedade o canto do aposento, depois do que seus olhos tomam a ex­pressão de quem observa um espetáculo cada vez mais longe. Finalmente, dá um surpiro de alivio a murmura:

               - Partiu! Que máscara de bruto!

               Logo depois se manifesta o Espírito-guia, o qual, exprimindo-se pela boca do médium, escla­rece que, na sala das sessões, se encontrava um Espírito da mais baixa natureza e contra o qual lhe era impossível lutar. O intruso — continua — experimenta um sentimento de ódio implacável a uma das pessoas do grupo.

               Exclama, então, o médium, com a voz ame­drontada :

               - Ei-lo de novo. Não posso mais defender- -vos. Suspendei a...

              O Guia queria dizer, certamente — suspendei a sessão, mas já era tarde. O mau Espírito tinha- -se de novo apoderado do médium, que gritava, e cujos olhos lançavam relâmpagos de furor; as mãos levantadas, num gesto de agarrar, imitavam o movimento das unhas de um animal selvagem, impaciente de atirar-se sobre a presa. E a presa era o Sr. X., conforme designavam os olhares furibundos do médium. Um estertor, espécie de rugido concentrado, saía dos lábios cobertos de espuma. De repente, o médium lança uma após­trofe :

                - Enfim, encontrei-te, covarde! Fui soldado na Marinha Real. Não te lembras do caso do Porto? Tu me deste a morte, mas hoje vou vin­gar-me e estrangular-te.

                Estas palavras febris eram pronunciadas ao mesmo tempo que as mãos do médium apanha­vam a garganta da vitima e a apertavam como uma tenaz de aço. O espetáculo era de assombrar. A língua do Sr. X. saia-lhe inteiramente da boca aberta; os olhos saltavam-lhe das órbitas. Corre­mos em socorro do infeliz. Unindo nossos esforços com toda a energia que nos emprestava essa deseperadora situação, conseguimos, depois de um tèrrível corpo a corpo, libertá-lo do encarniçado abraço. Afastamo-lo imediatamente, pondo-o do lado de fora e fechando a porta ã chave.

                O médium, exasperado, esforçava-se por do­minar o nosso cerco e correr em perseguição de seu inimigo. Rugia como um tigre. Éramos qua­tro para o conter. Enfim, caiu num abatimento completo e despenhou-se no assoalho.

                No dia seguinte, tratámos de esclarecer o caso e recolher os informes que nos permitissem con­firmar os dizeres do Espírito do Porto. Estáva­mos, de fato, já perfeitamente certos da veraci­dade das acusações alegadas, porque é de notar que o Sr. X. não tinha protestado, de forma algu­ma, quando se lhe lançou no rosto a grave acusa­ção de homicida."

          O autor e Venzano trataram de apanhar as informações necessárias que os habilitassem a jul­gar da veracidade da aludida manifestação. Por não alongar a narrativa passaremos por alto sobre a documentação que colheram, as buscas que em­preenderam e o trabalho a que se deram para che­gar à conclusão de que era absolutamente certo o que dizia a entidade obsessora. E, assim, vamos logo ao fim do caso:

                "O Sr. X. tinha, com efeito, servido na Ma­rinha Real. Um dia, havendo embarcado num navio de guerra para uma viagem de instrução, fêz escala no Porto, por algumas horas. Durante a estadia, passeando na cidade, ouviu, procedente de um botequim, um ruído de vozes furiosas e avi­nhadas; percebeu que se falava italiano, e, com­preendendo que se tratava de uma querela entre marinheiros de bordo, entrou na sala, reconheceu seus homens, e lhes ordenou que voltassem para o navio. Um dos bebedores, mais embriagado que os outros, respondeu, e chegou a ameaçar o seu superior. Irritado com semelhante atitude, o ofi­cial tirou a espada e a enterrou no peito do inso­lente, que morreu logo.

                     Como consequência dessa aventura, o oficial entrou em conselho de guerra, foi condenado a 6 meses de prisão numa fortaleza, e, ao expirar a pena, forçado a demitir-se. (56)

          O relato, que ainda se estende um pouco, está assinado por Ernesto Bozzano.

        Como se vê do conto, devidamente documen­tado, autenticado e testemunhado, 6 médium pro­curou, até, repelir a intervenção mediúnica, o que não conseguiu.

         O Conselheiro Aksakof, na sua obra clássica — «Animismo e Espiritismo», assegura:

                   “Todos os espiritas sabem que as manifesta­ções não dependem da vontade do médium, quer se trate de manifestações intelectuais, quer de ma­nifestações físicas; ele não as pode provocar.”

       E mais:

                    “Se, por certas razões, desejásseis pôr termo ã sessão, e tirar o lápis da mão do médium em transe, não o conseguiríeis: ela se contrairia, não entregaria o lápis, ou o reclamaria com tanta in­sistência, que serieis obrigado a repô-lo na mão do paciente; ou, então, os movimentos da mesa e suas pancadas reclamariam com insistência o alfabeto, quando supúnheis a conversação termi­nada.

                       Do mesmo modo, não depende do médium o caráter das comunicações.”

       O autor cita, em comprovação do seu asserto, vários interessantes casos. Colherei, a título de exemplo, o seguinte:

                          “Eu mesmo fui testemunha do incidente que se segue: Em um circulo em que minha mulher funcionava como médium, as pancadas reclamaram o alfabeto, e um nome começava a ser soletrado; desde que as primeiras letras foram pronuncia­das, minha mulher adivinhou o nome inteiro, que era a revelação de um segredo de família; ela opôs-se com todas as forças à revelação das últi­mas letras desse nome; entretanto, com grande de­sespero seu, foi soletrado o nome todo, composto de dez letras.”

       Aksakof apresenta, ainda, entre outros, o caso de uma jovem que escrevia, em estado sonambúlico, perante amigos, denunciando por sua própria mão, e com grande vexame, atos que ela nunca te­ria resolvido confessar em estado de vigília. (57)

        A propósito, merece que lembremos a expe­riência realizada pelo Dr. Dexter, e que vem rela­tada no livro «Espiritualismo», da autoria do juiz americano Edmonds. Escreve o conceituado médico acima apontado:

                           “Passaram-se dois anos, desde que as manifestações espiritas atraíram minha atenção. Era, então, um incrédulo, e cheguei a denunciar o mo­vimento espiritista como um formidável embuste, (“humbug”), jamais existente no mundo.

                           Aceitei, então, a proposta de assistir a ses­sões, já por curiosidade, já porque havia concebido- a ideia de que, se os fenômenos não fôssem frau­dulentos, seriam produto de uma causa natural, e era fácil descobrir a fonte de tais ilusões, ou o princípio em virtude do qual se produziam.

                           Depois de várias e cotidianas observações, fi­quei absolutamente certo de que não havia mis­tificação ou fraude, e, ainda, de que nenhuma lei, natural ou psíquica, poderia trazer-me a explica­ção do fato. Mas — e isto parecerá estranho — apesar das frequentes e irrecusáveis provas que se me ofereciam, persisti no meu cepticismo, mes­mo depois de haver, durante longos meses, estu­dado meticulosamente o problema, sem lhe achar solução normal.

                           Não podia admitir a ideia. de que um ser intangível, etéreo, como um Espírito, pudesse en­trar em relação com o homem; que tivesse a fa­culdade de deslocar mesas, de dar pancadas, de levantar homens, de manifestar-se materialmente nesta Terra que ele havia deixado.

                           Nem minha vontade, nem meus desejos me impeliam ao desenvolvimento das faculdades me- dianímicas; pelo contrário, se lhe opunham, e, quando pela primeira vez, senti um poder igual ao que tinha presenciado em diversos médiuns, ten­tei resistir-lhe com toda a minha energia física e moral.

                            Era tarde. Estava no meu gabinete, sentado numa poltrona. Minhas ideias se achavam muito longe de Espiritismo. Eis senão quando, senti no braço uma impressão esquisita, como se mãos o tivessem segurado; tentei, em vão, levantá-lo; os dedos se me contrairam; a mão começou a tre­mer e era agitada com violência...”

        O autor descreve as primeiras manifestações: soaram pancadas na parede; indagara se eram Es­píritos e as pancadas responderam afirmativamente.

        Incrédulo como era e se achava, o Dr. Dexter se sentia inquieto, mas lhe era difícil negar que estava sob ação extranormal:

                             “Convencido, e de maneira absoluta, de haver combatido as influências e ter-me armado de toda a minha vontade contra as sensações que experi­mentava, não podia atribui-las a outra causa que não fôsse à intervenção de uma força inteligente, promanando de fonte invisível e cujo fim era sub­meter-me à sua influência, o que conseguiu.”

        Deixou o médico de frequentar sessões, a fim de furtar-se à perseguição do invisível. Baldado o empenho. Seu braço era tomado; era ele sus­penso do leito e mantido no espaço, e conservava, entretanto, a plenitude de sua lucidez.

        Os fenômenos continuavam a se suceder, mau grado os esforços do médium para que cessassem.

        Foi ele verificando, já sem a menor dúvida, que existe uma relação entre os dois mundos; que os seres do outro se serviam do Seu organismo para manifestar a inteligência de que eram dotados.

        Assim, começou o médico a ceder, e a procu­rar, então, ocasiões favoráveis que lhe permitissem ampliar as experiências. Entrou a escrever medianimicamente. A princípio eram frases curtas; de­pois, foram-se-lhe desenvolvendo as faculdades, até que obteve longas e belíssimas páginas, com os mais variados assuntos e as mais interessantes teses. (58)

        Ora aí têm um douto, um médico, um intelec­tual, inteiramente incrédulo, francamente contrário ao Espiritismo, achando que nele era tudo farsa, que, de extraordinário, só havia ali o «bluff»; que julgava impossível a seres imateriais se manifes­tarem a nós, quando, entretanto, era ele mesmo um intermediário, um médium, e, como tal, autor hu­mano das mensagens extraterrenas que recebia, es­crevia e transmitia contra sua vontade, os seus esforços, a sua energia.

(56) Camille Flammarion — “La Mort e son Mys- tère”, m volume, pág. 114.

(57) Alexandre Aksakof — “Animismus und Spi- ritismus”, Leipzig, 1890.

(58)   John W. Edmonds — “Spiritualism”, pági­na 82 e seguintes.

 

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Autor: Carlos Imbassahy
Fonte: A Mediunidade e a Lei
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