Com grande tristeza, comovente e resignada, veio a um idôneo cenáculo espírita o depoimento de uma jovem, que fora na Terra boníssima criatura, filha dedicada, extremamente religiosa, católica praticante, pertencente ao grêmio das Filhas de Maria da igreja que frequentava.
Trabalhando num emprego relativamente bem remunerado, consagrava-se a cuidar de sua velha mãe, da qual se tornara arrimo, pois não tinham outros parentes, vivos. Mas, porque fosse de ótimos sentimentos e irrepreensível proceder, a jovem era alvo de muitos elogios pelo beatério da sacristia, e isso bastante a impressionava agradavelmente, gerando-lhe quiçá um fundo de desculpável vaidade.
Certa vez, ao passar por um grupo de beatas, ouviu dizer:
- Esta menina, se morresse hoje, ia direitinho para o Céu!
E percebeu que a frase era apoiada e repetida por todas, que se voltaram para olhá-la.
Tais palavras penetraram no mais recôndito do seu espírito e foram aprofundando a sua influência, criando na sua imaginação de crente acostumada às promessas de bem-aventuranças e perdões a granel um quadro mirífico de venturas celestiais.
- Ir para o Céu! - foi a moça repetindo, caminho de casa, deslumbrada com a visão que a sua fantasia forjou no pensamento.
E, cada vez mais empolgada pela ideia de ir para junto da Virgem Maria, chegou ao lar, foi para um aposento, e suicidou-se.
Narra o Espírito da jovem: "Minha desventura, agora, não é feita de dores (que o meu corpo não teve), nem de remorsos, porque jamais pratiquei mal contra o próximo; mas da contemplação dos sofrimentos de minha infeliz mãe.
Fugindo da vida, eu lhe causei a maior dor de toda a sua existência, e por mim ela chorou todas as lágrimas dos seus olhos. Cada soluço, cada lamento dos seus lábios feriam-me a alma, qual se fossem punhais de fogo. Depois, quando pude ver, aos meus olhares surgiram os quadros da miséria, da fome e do frio que minha pobre mãezinha tem curtido - depois que lhe faltou o sustento que eu lhe proporcionava com o fruto do meu trabalho.
Rolando, em casa de estranhos, por esmola, comendo do que sobra, mesmo contra o seu paladar; vestindo restos de roupas, às vezes insuficientes para atenuar o frio; olhada com indiferença por todos, ninguém lhe faz um carinho, nem lhe diz palavras de consolo; ninguém lhe zela pela saúde, e muitas vezes ela se tem sentido morrer, sem o socorro de qualquer medicação.
Tal é a minha tortura de todos os instantes: o quadro dos sofrimentos de minha mãe não se afasta de diante de mim. Dir-se-ia que em todo horizonte da minha visão não existe outra perspectiva. O meu suplício espiritual lembra o da gota de água, caindo sobre a cabeça do condenado - até perfurá-la – à força de bater ininterruptamente.
Coisa terrível o suicídio! Horrível mentira, a promessa do Céu aos pobres pecadores, indignos até do olhar de Jesus.”
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