Enviado pelo Papa
Para encorajar os nossos esforços e julgar por si mesmo da marcha dos nossos trabalhos, Allan Kardec vinha, de tempos em tempos, presidir a uma das nossas sessões.
Ele nos esclarecia com os seus conselhos, nesses dias que nos eram de festa, e em que a nossa sala, como por milagre, chegava para toda a multidão que tinha a coragem de passar a noite, de pé, para ouvir o Mestre.
Uma vez apresentou-nos um visitante, um dos nossos, que era engenheiro.
O nosso hóspede representava ter 58 anos; parecia um verdadeiro fidalgo.
Apressou-se em nos dar o seu cartão, no qual lemos - Conde de Brunet de Paisay.
Entendemos que devíamos guardar em silêncio o título do nosso visitante, para que os médiuns não o conhecessem.
A sessão seguiu o seu curso natural, obtendo-se comunicações escritas e passando-se às manifestações físicas.
Convidamos o Senhor de Brunet a aproximar-se da mesa, e a mesa, à sua aproximação, agitou-se nervosamente, inclinando-se imediatamente para ele, que parecia admirado dessa deferência.
- Quem és? perguntou o Senhor de Brunet.
- Um amigo.
- Dize o teu nome.
- D. Pedro de Castillan.
- Onde me conheceste?
- Em Roma.
- Em que ponto?
- No Vaticano.
A essa resposta inesperada, todos os presentes começaram a rir, acreditando numa mistificação.
O conde, porém, não ria: estava pálido de emoção e continuou as suas perguntas ao Espírito, que ditou a seguinte frase:
"Sede homem de boa-fé e, a exemplo dos discípulos de João, ide dizer a Roma o que vistes e ouvistes esta noite, mas, principalmente dizei que soou a hora da renovação moral!"
O conde ficou estupefato, e, compreendendo que nos deveria uma leal explicação, confessou-nos que ele era enviado pelo Papa, em missão de estudar os fenômenos espíritas, depois do que, retirou-se profundamente comovido.
Quando ficamos sós, depois de terem saído os companheiros de trabalho, a minha mulher, levada por um movimento instintivo ou por curiosidade, tomou o cartão do enviado do Papa, que estava sobre uma mesa, e - qual não foi o seu espanto, vendo aparecer entre o papel e o verniz do cartão, caracteres que diziam, em seguida ao nome do Senhor de Brunet de Paisay - camarista privado de capa e espada de S. S. Pio IX!
Esta frase não se podia perceber sem inclinar-se o cartão em certo sentido.
O que dirão a isto os senhores que explicam tudo por sugestão, se nessa época a sua teoria ainda não era nascida?
Que lição para toda a gente!
*
Ainda há um documento da boa-fé de certos membros do clero, a respeito dos fenômenos espíritas, obtidos quase na mesma época.
Dessa vez não se mete a bandeira no bolso; apresenta-se sem rebuço o nome dos visitantes: um deles era o padre Marouzeau, autor de uma obra desbragada contra o Espiritismo, na qual os raios da sua eloqüência, de envolta com os do Vaticano, deviam para sempre pulverizar os Espíritos, assim como aqueles que ousassem crer na sua existência.
Vieram também: um teólogo distinto, o Senhor Marêne, diretor das Conferências de S. Sulpice, o Senhor Delameaux, membro do Instituto, o Senhor Dozon, diretor da Revue d'Outre Tombe, e o Senhor Pierard, relator da Revue Spiritualiste. Discutiu-se largamente, muito largamente, sobre as leis da reencarnação e princípios gerais da Doutrina, sem que se chegasse a um acordo.
Propusemos passar à demonstração dos fatos, e veio-nos uma idéia feliz, no intuito de convencermos aqueles senhores que negavam o movimento das mesas: foi servirmo-nos de uma enorme escrivaninha de carvalho maciço, cheia de objetos, que se achava em um quarto próximo da sala dos nossos trabalhos.
Quando os visitantes viram o que íamos fazer, não puderam dissimular o riso de mofa que indicava a sua incredulidade preconcebida.
Poderiam porventura acreditar que tão pesada mesa se prestasse ao fim que tínhamos em vista?
Só por milagre, disse um deles, e entretanto o milagre se operou.
Atendei: o Senhor Pierard fez a evocação com aquele ar magistral que lhe é habitual.
Colocamos os espectadores, como de costume, nos dois lados da escrivaninha, de pé, e tendo apenas as mãos ligeiramente postas sobre ela.
No fim de alguns minutos, a pesada mesa começou a mover-se da direita para a esquerda e vice-versa, segundo o desejo de um dos assistentes.
Ouvia-se também, por instantes, o crepitar de ligeiros golpes dados no interior da peça.
Estupefação geral!
Nesse ponto, o mais ungido pela devoção, não podendo negar o movimento do móvel, disse-nos, mudando de tática:
- Conheço o meio de impedir esses movimentos desordenados, pois que eles são produzidos pelo Espírito do mal.
- Qual é esse meio? perguntamos.
- Muito simples: basta colocar sobre a escrivaninha uma imagem de Cristo, para que o diabo se retire imediatamente da presença do Filho de Deus.
- Trago sempre uma comigo, disse a Senhora Dozon; quereis tentar a experiência, Senhor Cura?
O Senhor Cura, muito triunfante, tomou a pequena cruz de marfim, tão a propósito aparecida, e pô-la com ênfase, talvez com convicção, sobre a escrivaninha.
- Em nome de Cristo, nosso Senhor e nosso Deus, disse, orando, vade retro, Satanás!
E nós ouvimos o evocador redobrar de preces e de exorcismos.
Pobre cura! Parece-nos ainda estar vendo a sua fisionomia decomposta, diante do fato de se tornarem os movimentos da escrivaninha ainda mais acentuados que antes da sua esconjuração!
Ah! Eles protestavam, a seu modo, esses caros Espíritos, contra a imputação que lhes fizera o cura!
Protestavam com tal energia, que as gavetas, repletas de objetos pesados, saíam dos seus lugares e caíam com grande ruído no soalho, enquanto a pequena cruz se sustentava no lugar onde tinha sido posta, mantida por uma força invisível!
Julgais que esses fenômenos os convenceram? Afirmamos que não, porque a guerra da parte do clero continuou com mais violência.
Não é o caso de aplicar a esses professores de teologia o preceito do Evangelho, que eles mesmos citam tantas vezes em seus sermões aos profanos?
Oculos habent et non vident;
Aures habent et non audient.
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