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II - A Mulher na Política


          Sou e sempre fui favoravel ao voto feminino. Antes de ser ventilada entre nós essa questão, mui­tos anos antes de ter ela ocupado, no Brasil, um lugar saliente entre as idéias externadas de nume­rosos pensadores, já eu tinha escrito na imprensa periódica sobre os direitos da mulher quanto á política.

          Há já alguns meses, uma distinta senhora deste lugar, viúva, mãe e irmã de estimados amigos meus, trouxe-me um artigo, recortado de um diário da capital, medonhamente contrario a concederem-se à mulher os direitos de votar e ser votada.

          “Que a sua missão é muito mais sublime, e que a ela pertencem os cuidados do lar”, dizia o artigo entre muitas outras coisas, e coisas bonitas, que estamos afeitos a ouvir.

          E declarou-se a referida senhora inteiramente solidaria com as idéias expendidas em tal artigo, e inteiramente inimiga do projeto liberalissimo de vo­tarem e serem votadas as pessoas do seu sexo.

          Eu continuarei todavia a ser pelo voto femi­nino.

          Sei perfeitamente que na atualidade ainda con­tinua a política a ser uma burla, e que os nossos Governos, da União, do Estado, do Município e do distrito, excetuados rarissimos mas honrosos exem­plos do contrario, cogitam mais sobre a política pro­priamente dita, e sobre a sucessão, com esta prepa­rando a sua perpetuidade nos altos cargos públicos, do que sobre os trabalhos que constituem o seu de­ver, isto é, sobre a boa administração, os melhora­mentos possíveis, a tranquilidade pública, a seguran­ça do povo, a garantia do cidadão; e é justamente por isso que eu desejara ver a mulher na política, na administração, no governo.

          A mulher é menos acessível aos vicios da civi­lização hodierna, como o álcool e o jogo, dos quais não raro vem o afrouxamento na observância dos deveres inerentes a um cargo, e é menos propensa à subserviência, como é, em geral, mais afeita que o homem à livre expansão de seus sentimentos.

          Um dos maiores males da política atual é o si­gilo, é o mistério, no qual a verdade é bastas vezes ludibriada, a justiça desprezada, o mérito esquecido, e o direito do povo vendido por menos de trinta dinheiros.

          A mulher, mais expansiva, raramente se con­formaria a planejar, hoje, nas trevas, o triunfo para o dia de amanhã, e rarissimamente se prestaria, como infelizmente fazem bem vezes os profissionais da política, a ir enegrecer a reputação dos adversá­rios sobre as mesas avinhadas de qualquer bar.

          Os governos entregaram à mulher, quasi exclu­sivamente, a instrução pública do Estado, — refi­ro-me à primaria principalmente, — e nisso agiram muito bem, conquanto cometendo o erro de confiar a mulheres a direção de grupos escolares, quando para tais cargos, até nossos tempos, deveríam ser nomeados homens, e homens com o preciso tirocinio, nos quais as professoras de cada grupo vissem bastante preparo, pratica e energia, sem surgir entre as mesmas professoras qualquer luta de competên­cia por serem dirigidas por uma de suas colegas, o que entretanto nada diz em desfavor das mulheres, entre as quais se encontram às vezes qualidades de direção não comuns no sexo forte.

          De todos os departamentos do funcionalismo, é a instrução pública, e principalmente a primaria, o mais importante e de maior responsabilidade. Ora, se as mulheres servem para o magistério, de preferencia aos homens, e servem também para os cor­reios, outro ramo importante da administração dos Estados bem organizados, porque não poderão elas servir para o voto, para o qual se prestam até in­divíduos analfabetos, até desclassificados e inconcientes que jamais hão de dispor da própria von­tade? Se prestam elas bons serviços nos bancos, na instrução pública e particular, nos correios, nos te­légrafos e telefones, nos escritórios, no comercio, na industria, porque não podem elas ocupar cargos como os de juiz de paz e outros semelhantes, exer­cidos frequentemente sob a mentoria dos escrivães?

          A mulher é, em geral, mais persistente do que o homem. Prova-o nos cuidados cotidianos do lar, no carinho com que sóe amenisar as lides e os se­rões, na permanência nos trabalhos domésticos, em tudo enfim quanto é posto a seu cargo. Na política será, portanto, mais coerente com os seus princí­pios, mais fiel para com os seus ideais.

          Bastante mais crente em uma vida após a mor­te, e temerosa quanto a penalidades futuras pelos erros terrenos, mui raramente aprovaria uma injus­tiça conciente, mui raramente se deixaria dominar pela idéia de traficar com o seu cargo.

          As grandes traições do passado não foram co­metidas por mulheres. Não pertencia ao belo sexo o discípulo que recebeu do Mestre o pão molhado, como também não foi mulher quem por três vezes negou o Nazareno; mas foram algumas mulheres que O acompanharam até descer ao sepulcro. Não pertenciam ao belo sexo os filhos de Jacó que ven­deram seu irmão; e nem Nero, nem Lopez, nem Joa­quim Silverio, nem Rodrigo Borgia, nem Cortez, — mas honrava o heroísmo feminino a mãe dos machabeus, e entre nós houve outra mulher que, com extraordinário amor à patria, enviou à guerra os seus sete filhos, três dos quais sucumbiram nos cam­pos ensanguentados do Paraguai.

          Nos hospitais comuns, nos hospitais de sangue, nas escolas, na religião, nas lides da caridade enfim, ha uma pleiade admiravel de heroinas, mas heroinas da paz, heroinas do bem, da instrução, da concór­dia, da fraternidade, do cumprimento dos deveres cristãos e civicos.

          E entretanto as mulheres, constituindo a meta­de da população brasileira, mas uma metade bem mais brasileira do que a outra metade, não podem votar nem ser votadas, não ocupam cargos eletivos, nem podem opinar direta e eficientemente sobre as cousas desta terra, porque os “fazedores de teorias” dizem, e em termos bonitos, que “a mulher é o anjo do lar, não devendo ser arredada da sua missão su­blime”, e que “o voto seria um presente de gregos”, e muita cousa mais que todos nós conhecemos de sobra.

          A despeito de tudo isso, eu sou e continuarei a ser pelo voto feminino, e entendo que a mulher deve ter o direito de votar e ser votada, sem para isso haver uma lei especial, pois a nossa Constitui­ção não considera cidadãos somente os indivíduos do sexo masculino. E praticamente ela é ainda equi­parada ao homem, pois paga ao fisco os mesmos impostos quando exerce profisão semelhante á tribu­tada a um homem, e sobre ela recaem as penalidades do Codigo criminal quando incursa em delito seme­lhante àquele em que é pronunciado um homem, quando é ré de qualquer crime pelo qual um ho­mem pode e deve ser processado.

          São também semelhantes aos do homem os di­reitos e deveres da mulher perante a sociedade. As mesmas leis os amparam, as mesmas escolas os ins­truem, os mesmos templos os acolhem, os mesmos interesses e conveniências os persuadem.

          São, pois, semelhantes, salvo quanto à politica, os direitos e deveres do homem e da mulher.

          Que a esta seja permitido, portanto, votar e ser votada.

          Si está sujeita, no caso de crime, a ser julgada por um tribunal popular, deve, coerentemente, ter o direito de fazer parte desse mesmo tribunal em outras causas; se tem o dever de pagar impostos no exercicio de qualquer profissão, deve também ter o direito de tomar parte na corporação a cujo cargo esteja o regime tributário; se aproveita diretamente as vantagens das leis, ou lhes sofre, das más, as desastrosas consequências, deve ter o direito de concorrer para a escolha dos legisladores, ou de com estes cooperar.

          E’ incontestável que os Estados Unidos da America do Norte são o país do progresso e da li­berdade, caminhando admiravelmente à vanguarda da civilização mundial. Pois nessa república, mode­lo das democracias bem constituídas, as mulheres acabam de dar alguns milhões de votos, nas recentes eleições, aos candidatos á presidência e à vice-presidencia da República.

          E paises há, onde, quer no passado, quer na atualidade, as mulheres não tinham ou não têm o direito do voto, podendo entretanto ocupar o maior cargo, a magistratura suprema, sendo preciso no­tar-se que não ficaram envergonhadas perante a His­toria, até nossos dias, e nem o ficarão certamente para com a posteridade, pois quasi sempre souberam desempenhar a sua missão com tino e dignidade.

          A Inglaterra, a Holanda, a França, a Espanha e Portugal tiveram rainhas que efetivamente o fo­ram, isto é, que governaram sem tutoria e deixaram do seu governo rastros luminosos. Se D. Maria I, de Portugal, se deixou dominar pelo jesuitismo e consequente loucura que a desceu do trono, ainda acerca desse curto e infeliz governo não podemos criminar diretamente a rainha, isto é, a mulher, porque o erro ainda partiu dos homens, que a ro­dearam dos prejuízos e preconceitos da epoca, fican­do mais tarde provada a capacidade feminina no cetro empunhado pela mão firme de D. Maria I.

          Não remontando a passado muito remoto, lem­bramos que o absolutismo de Espanha foi combati­do pela rainha Izabel II, cujo berço fôra entretanto embalado pelo absolutismo mais violento, e que na Inglaterra o governo da rainha Vitoria foi uma epo­ca de progresso para o velho e poderoso reino, como tem sido de progresso, na Holanda, o reinado feliz de Guilhermina.

          No Brasil, as duas leis de maior vulto para o nosso nome de povo civilizado, as duas leis de maior perigo para a Corôa, e de mais frisante responsa­bilidade quanto à paz interna e ao futuro do país, foram sancionadas pela princeza D. Izabel de Bra­gança como regente do Império. Refiro-me ao “ven­tre livre” e à extinção completa do elemento servil; reporto-me ao 28 de setembro e ao 13 de maio.

          E não é um “presente de gregos”, como disso o artigo citado, o que eu desejo ver amplamento concedido à mulher: é apenas justiça; é somente igualdade; é simplesmente a equiparação dos seus direitos aos direitos do homem.

          Não desejo ver a mulher arrancada da sua mis­são de esposa e de mãe, como diz o articulista, pois ao homem a política não arrebata da missão, não menos espinhosa, de marido e de pai, e nem desejo ve-la obrigada a votar e a ser votada, a escolher dirigentes e a ocupar cargos públicos, como declara ainda o referido publicista. O que eu desejo e es­pero é ver a mulher tendo permissão para votar e ser votada, se isso lhe aprouver.

***

          O voto feminino deve ser considerado uma ne­cessidade, uma conquista digna de um povo livre e culto...

***

          Encaremos o assunto sob outra face.

          Se à mulher fossem concedidos plenos direitos para votar e ser votada, e pudesse ela, consequen­temente, exercer qualquer cargo público, poderia também dirigir a policia, mesmo não aceitando car­go algum nas repartições da segurança pública, mas sobre os respectivos funcionários exercendo a in­fluencia que à chefia política é entre nós reconhe­cida; pois todos estamos fartos de saber que a po­licia nada faz, em cousas de maior vulto, sem ouvir o chefe político da ocasião, ou sem lhe obedecer ao aceno, e algumas vezes aos caprichos. E’ uma tris­te verdade esta (principalmente quanto à ultima parte), mas infelizmente é uma verdade.

          Assim sucedendo, e agindo a autoridade poli­cial com imparcialidade e energia, na certeza de não serem os seus atos nulificados pela preponderância da chefia política, talvez o alcoolismo e o jogo não consigam atrair, em futuro bem proximo, tantos jo­vens que, sem tais vicios, poderão ser bem mais uteis à familia e à sociedade.

          Ao contrario do que sucedia uns dois decenios antes, ou menos, o álcool e o jogo são hoje consi­derados o complemento de uma educação aprimo­rada ...

          Desapareceram as tabernas, onde, somente às escondidas, alguns moços da primeira linha social bebiam, raramente, com receio de serem vistos, e perderam toda a antiga importância as “vendinhas dos cantos”, como desapareceram também os “ca­fés” sem luxo, os cafés dos pobres, surgindo os lu­xuosos “bars”, onde o álcool é consumido em quan­tidade enorme, sem ser necessário ocultarem-se os fregueses, visto ser o bar uma casa distinta onde é chic ir a sociedade beber. Além de bebidas, al­gumas vezes ha alí jogos escusos e perigosos, nos quais numerosos jovens, e até adolescentes perdem o tempo, prejudicam a saude, desbaratam as suas rendas e desmoronam o seu futuro, sem que a po­licia lhes possa fazer a menor observação.

          E’ que os encarregados da segurança pública são comumente frequentadores do mesmo bar, ao lado daqueles de quem dependem a sua posição, as suas rendas e os seus galões, e a qualquer adver­tência que fizessem a algum adolescente que vissem a deixar-se seduzir pela senda desses vicios, pode­ríam ouvir, como resposta, que “o exemplo não jus­tifica os conselhos”...

          Ora, como em geral não são as mulheres do­minadas pelo álcool nem pelo jogo, é de se supor que, tendo elas responsabilidade direta na política, o que representa a mesma responsabilidade em todos os ramos da administração, possam os encarrega dos da segurança pública desviar alguns futuros chefes de familia do caminho dos vicios.

          A mulher, em geral mais amorosa e tema do que a outra parte do genero humano, e vítima fre­quentemente das desditas que sobre o lar atiram esses dois terríveis males, verdadeiras doenças so­ciais, alarma-se, e com razão, ante a idéia do al­coolismo e do jogo, e mesmo ante a ameaça de inva­dir o primeiro desses vicios os costumes do futuro, ameaça que paira infelizmente sobre nossas cabeças.

          Se aos encarregados da segurança pública pu­dessem emanar ordens de mulheres, e si essas mu­lheres fossem mães ou esposas, ou filhas, ou irmãs, que vissem os seus se tornarem assíduos em casas de bebidas e jogos, essas ordens seriam dadas sem relutância, com o intuito de coibir o abuso do álcool e o aprendizado do jogo, porque as mulheres com­preendem, por experiencia própria ou por intuição, que esses vicios conduzem ao descalabro das finan­ças ; ao descrédito, ao esquecimento dos deveres para com a familia, ao embrutecimento, à moléstia a à morte.

          Também os homens compreendem essas ver­dades em parte, mas a conivência nos vicios não lhes permite agir contra os mesmos, e numerosas vezes o receio de consequências desagradáveis, reais ou imaginarias, podem vedar-lhe a ação, o que não sucederá à mulher, cujo coração, propenso ao amor e á tranquilidade, não vê entraves na prática do bem.

          Para obter a sociedade semelhantes resultados é que eu mais desejo ver a mulher na política, vo­tando e sendo votada, assumindo a chefia de par­tidos, e ocupando, ou podendo ocupar cargos públi­cos de grande importância e responsabilidade. (*)

* D´A Reação de Cataguases, 1929

 

 

Autor: Abel Gomes
Fonte: Pérolas Ocultas - FEB 1943
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