Futilidades e Charme
EÇA DE QUEIROZ.
Seja eu quem- estréie, para ti, o ano novo, sem embargo de me crer, de todos, o mais incompetente para isso, dado o meu singular modo de ver sobre os períodos fixos em que a Humanidade diz banalidades douradas e faz futilidades solenemente regradas pelo cerimonial Iitúrgico das grandes festas do convencionalismo.
As mesuras requintadamente elegantes do século XVIII tinham, na deliciosa curva da elegância, na silhueta, finamente estética, das suas linhas, um quid espiritualmente distinto, que fazia perdoar-se-lhe a sua futilidade de minuete.
Os cumprimentos na sociedade, que passavam através do desfranzir de lábios preciosamente ensaiados e isocrônicamente medidos, como um compasso de BeIíni, mascaravam, com aspectos gentis e graves, a mais superficial das educações mundanas.
Mas tudo se lhe pode perdoar ao evocarmos o escorço lindamente artístico em que se mantinham as reuniões empoadas, de ricos punhos de rendas d' Alençon, de soberbas casacas bordadas em silvedos preciosos.
Os cumprimentos, como as preocupações do traje, constituíam poemas de puerilidade a que a fantasia, idealmente artística, emprestava encantos de miniatura, riquezas de cor, que faziam desses pequeninos nadas, em que assentava a etiqueta desse século fútil e revolucionário, uma rara moldura preciosa, ou um cinzelado benevenutiano em que se enquadrava toda uma civilização decadente e fidalga, de uma fidalguia arruinada, mas sempre distinta, sempre espiritualmente elevada e nobre, que nenhuma outra igualará mais.
Assim, desculparia eu o convencionalismo. Tinha a arte a velá-lo com a gaze tenuíssima da fantasia e a alindá-lo com a elegância ideal das suas formas e, talvez, um pouco a poetizá-lo com a ilusão dc cavalheirismos idos, de que conservava ainda finas e nobres aparências.
Mas, num século essencialmente prosaico como o que vamos atravessando, em que o homem vem vindo em som de guerra contra tudo o que a fantasia e a sentimentalidade humana se comprazia em adorar; quando, num belo gesto de desfastio, quebra as suas relações com Deus, suprimindo-o, como luxo desnecessário.
Autor: Eça de Queiroz - Médium: Fernando de Lacerda
Fonte: Do País da Luz - Vol.IV