Surge et ambula
Em tempos idos, usava-se para iluminação o azeite recolhido em recipientes desengraçados, aos quais se dava o nome de candeeiro.
A luz que deles se irradiava era fumegante, baça e fétida. Impregnava a atmosfera de fumo e de odor nauseabundo.
Mais tarde, passou-se a empregar para aquele fim o petró1eo ou querosene. Os lampiões, aparelhos que, com serem elegantes possuíam melhoramentos apreciáveis, como por exemplo a mecânica destinada a graduação da chama, vieram substituir os candeeiros, suplantando-os completamente.
Descobriu-se depois, no correr dos tempos, o processo de extrair do carvão de pedra o carbureto de hidrogênio, produto este admiravelmente empregado na iluminação, tanto publica como particular. O gás então desalojou o petró1eo das cidades e dos meios civilizados, tal como o petró1eo desalojara outrora o azeite e os candeeiros.
Mas ainda não é tudo. O mundo continuou marchando na conquista do melhor.
Aparece, finalmente, a eletricidade destronando o gás. A luz daquela sobrepujou este, apresentando vantagens indiscutíveis: é clara, é límpida, é inodora, é inócua. O gás, que até então imperava como o rei dos sistemas de iluminação, foi relegado a planos inferiores. A eletricidade, atualmente, e o sol de nossas noites.
Ora, se em matéria de luz artificial se verifica um progresso continuo, sucedendo-se os sistemas numa ascensão para o melhor, não há-de suceder o mesmo no que respeita a luz espiritual?
Iluminar o interior não será, acaso, um problema mais sério e mais importante que iluminar o exterior?
Espancar as trevas do cérebro e do coração não será trabalho mais valioso que espancar as trevas que nos envolvem por fora?
A noite da razão e da consciência não e mais tenebrosa, mais lúgubre e mais tétrica que a noite que sucede ao dia? A alvorada da mente esclarecida e liberta não encerrará algo de mais belo e empolgante que a alvorada anunciadora do dia que desponta?
O sol que ilumina, aquece e vivifica as almas não será mais majestoso que o sol que ilumina, aquece e vivifica o corpo?
Como então descurar da conquista do melhor, no gênero de luz espiritual, se tudo fizemos para alcançar o melhor no gênero de luz material?
Se deixamos o azeite pelo petróleo, o petróleo pelo gás, e o gás pela eletricidade, porque então não fazer o mesmo com relação aos velhos e carcomidos dogmas que herdámos dos nossos antepassados?
Se nos despegamos dos candeeiros sem que saudades nos deixassem, porque não nos desprendermos também das superstições, dos falsos credos e da falsa fé?
Se o problema da iluminação exterior mereceu da parte do homem tanto esforço de inteligência e de raciocínio, como então desprezar o magno problema da iluminação interior?
Se tratamos de nos precatar contra as sombras da noite, antes que elas nos envolvam, como nos deixarmos ficar às escuras, mergulhados nas trevas densas da noite
moral?
E que a noite moral cobre a Terra, como negro sudário, quem o contesta? Que a Humanidade tateia na tenebrosa escuridão da ignorância, do vicio e do crime, quem ousara negá-lo?
Porque fazer tudo pela luz que perece, e nada, ou quase nada, pela luz que permanece?
Volvamos, portanto, nossas atenções para a luz espiritual. Busquemo la com o interesse de quem têm fome e sede de verdade e de justiça, e seremos saciados.
Desvencilhemo-nos dos dogmas arcaicos, dos preconceitos, da crendice parva, das atitudes dúbias e hipócritas, das mentiras convencionais, e procuremos obter uma luz cada vez mais intensa, cada vez mais bela, cada vez mais brilhante, para iluminar os arcanos recônditos do nosso "eu".
Autor: Vinicius
Fonte: Nas pegadas do Mestre