Louvor à humildade exemplificada pelo Cristo
XXX
Padre Antonio Vieira
25 de Dezembro de 1906.
Nada há tão grande como a humildade.
A humildade vence todas as tiranias, destrói todas as dificuldades. A humildade é irmã gêmea da persistência, filha dileta da força.
Quantos humildes tens tu visto cair?
Nenhum.
E quantos engrandecidos tens visto precipitados do pedestal onde se supunham eternos?
Nem eu sei!
Humilde nasceu Jesus; humilde viveu e humilde passou do mundo. E não há maior grandeza do que essa humildade. De todos os grandes da Terra, em todos os séculos dos séculos, nenhum se lhe compara.
Dentre esses grandes ainda são relativamente grandes só os que se lhe humilharam e lhe seguiram o exemplo.
Só na humilhação encontraram grandeza, como só em Jesus encontraram a humildade.
O filho dileto de Deus podia ser o maior da Terra, visto que era o representante, o escolhido, o eleito do maior do universo. Podia, mas não foi. Podia, mas não quis. Não quis, porque não devia.
Grande não se distanciava dos grandes. A sua palavra seria semente perdida em terra estéril. A sua grandeza aniquilava a sua obra, tolhia a sua ação, desvirtuava o seu fim.
Quis-se humilde entre os humildes; simples entre os simples. A sua ação foi como a do roble. Nasceu da terra, de baixo. O roble (Carvalho) ao nascer pode ser destruído por um inseto ou partido por uma criança. Não sendo destruído, cresce, eleva-se, braceja, deita pernadas e franças, enraíza no solo, procura nas camadas ínfimas, subterrâneas, profundas, o suco com que se avigora, com que alimenta as folhas, com que as faz luzir e medrar, com que fortalece as raízes e os troncos; e passados tempos nem o vendaval consegue molestá-lo. Cristo foi o mesmo. Começou pelas camadas populares, humildes na sua origem, miseráveis no seu sofrimento, simples na sua fé, inigualáveís na sua força. Aí nasceu o rebentão da sua doutrina; aí se fortaleceu, aí frutificou, e daí subiu elevando-se, robustecendo-se, estendendo os braços, desafiando os vendavais, e abrigando aqueles' que se acolhem à sua sombra. Partiu de baixo para cima, dos alicerces para o cume, de nadir para o zênite.
Se tivesse começado por de cima, seria contra todas as leis naturais, e a sua obra não persistiria.
De cima para baixo só a luz do Sol; mas esta persiste somente enquanto a Terra se coloca perpendicular ao foco radiante. Quando a Terra, na sua giratória permanente, lhe sai do foco, a luz desaparece. Assim, partindo dela própria, e estando nela sempre, a sua ação é duradoura; a sua iluminação é, permanente.
Se o Sol em vez de iluminar de cima tivesse iluminado na própria Terra, a sua ação seria constante.
Se Jesus tivesse feito como o Sol, a sua ação seria sujeita a várias fases e a vários acidentes. Assim, ele fêz o contrário; nasceu na humildade,
e radicou-se, consolidou-se na humildade, e essa humildade o enviou à grandeza, como à grandeza ele enviará todos os que forem humildes.
Ninguém foi mais simples e mais humilde do que ele; mas ninguém como ele é tão grande e tão simples.
Simples e humilde, porque é a verdade; simples e humilde, porque é o exemplo.
Quem o imitar na sua humildade encontrará a elevação.
Não há ato mundano que nos leve à ponderação como o nascimento de Jesus.
Seus pais tiveram que deixar a sua terra e o seu lar, para irem' a terras estranhas fazer nascer aquele que havia de redimir o mundo. E para quê? Para que se cumprissem as profecias. Era preciso que o que havia de dar lugar a todos na grande casa de Deus, nascesse sem lar e sem abrigo. O que havia de dominar os grandes tinha de manifestar-
-se 'tão pequeno que havia de nascer ao desabrigo, entre os simples e entre os brutos. E assim tinha de ser para escapar à maldade, para que o inseto o não destruisse à nascença.
Não podia nascer mais pobre .
Se nascesse na rua, ainda teria por teto o céu e por luz as estrelas; assim, nascendo em uma gruta, não tinha por teto senão as pedras negras e não teria por luz senão o frouxo clarão de alguma lanterna lôbrega.
Por cama, palhas; por conforto, palhas.
Ao entrar no mundo encontrou só o desabrigo, só o desconforto.
Aquele que havia de ser o abrigo e o conforto universal, encontrava-se desabrigado e desconfortado como ninguém, na ocasião em que até as aves têm o conforto dos ninhos e as feras o conforto dos covis.
Porquê? Era porque o Pai queria que o mundo visse que o seu Filho muito amado, que podia nascer em leito de ouro, e ser coberto de brocados recamados de ouro, nascia nas palhas para exemplificar aos filhos dos homens que não é no ouro nem nos brocados que está a virtude e a grandeza.
Queria demonstrar que a grandeza e a virtude são incompatíveis, como o Sol com a Lua. Se chegam a passar a par ofuscam-se e eclipsam-se.
Jesus foi gerado humilde, nascido humilde e viveu humilde, para nos demonstrar que quem quiser ser querido de Deus como o seu filho dileto, tem de ser humilde, viver humilde e morrer humilde.
Em a humildade, ninguém foi mais digno, mais nobre, maior e mais querido do que ele.
O filho de Deus foi humilde, mas foi filho de Deus.
Ninguém como ele foi ou será digno; ninguém teve mais, majestade, na sua simplicidade.
Os pequeninos e os leprosos, as mulheres e os velhos, acercavam-se dele como de um igual; os grandes e os poderosos temiam-no e respeitavam-no como a um juiz e a um vingador. Ele ainda é humilde; e tão humilde que o adoram nu e pregado em uma cruz como um criminoso; mas os potentados da Terra curvam a sua grandeza e o seu nada à vista daquele denudado e daquele supliciado.
A heresia, por mais encorajada que se sinta, não olha de frente aquele corpo chaguento e açoitado,mais pobre que o mais vulgar ladrão, mais infeliz que o mais refalsado criminoso.
Ao criminoso faz-se justiça; Jesus foi menos que ele porque se lhe negou justiça.
Nasceu sem lar e sem conforto, e morreu sem cobertura e sem justiça.
Viu-se já alguém com sorte mais mofina?
Ninguém.
E porque havia de ter tão miserável princípio e fim aquele que era filho de Deus, e o maior que a memória dos homens registra?
Porque a sua doutrina havia de ser pregada e exemplificada; e assim como é ela a maior que tem vindo ao mundo, o exemplo havia também de ser o maior.
Em Jesus tudo foi desmarcado: a humildade e a grandeza; o sofrimento e a santidade; a doutrina e -o exemplo.
Ele foi em verdade o filho de Deus; ele como filho de Deus é a Verdade.
Da sua palavra e da sua ação ressalta a verdade, como ressalta a chispa da pederneira ferida pelo fuzil.
Como seria crível se não fôsse assim?
Quem lhe acreditaria a paz e o amor pregado,
se ele o não exemplificasse na sua candura de simples, na sua sabedoria de justo, na sua abnegação de humildade?
Jesus, sem a gruta de Betlém, não seria Jesus.
Imitemo-lo , Sejamos humildes, sinceramente humildes, que Ele nos guindará a seu par. Isto nos ensina o dia de hoje na sua estranha significação, como ato claro e iniludível do Nosso Pai, e como exemplo do Nosso Mestre
Autor: Padre Antonio Vieira
Fonte: Do País da Luz - Médium Fernando de Lacerda