MEHMET-ALI, ANTIGO PAXÁ DO EGITO
MEHMET-ALI, ANTIGO PAXA DO EGITO (1)
1. - O que vos induziu a atender ao nosso apêlo? - Vim para vos instruir.
2. - Estais contrariado por vir até nós e por terdes de responder às perguntas que desejamos fazer?
- Não. Desejo mesmo responder às que tiverem por fim a vossa instrução.
3. - Que provas poderemos ter de vossa identidade? Como é possível saber que não foi um outro Espírito que tomou o vosso
nome?
- Qual seria a vantagem?
4. - Sabemos por experiência que muitas vêzes os Espíritos inferiores tomam nomes supostos. Eis por que vos fizemos
essa pergunta. - Eles tomam também os elementos de prova. Mas o Espírito que põe uma máscara também se revela
pelas próprias palavras.
5. - Sob que forma e em que lugar vos encontrais entre nós?
- Sob aquela que tem o nome de Mehemet-Ali; perto de Ermance.
6. - Gostaríeis que vos déssemos um lugar especíal?
- Sim: a cadeira vazia.
OBSERVAÇÃO: Havia uma cadeira vaga, a que ninguém havia prestado atenção.
7. - Tendes uma lembrança nítida de vossa última existência corpórea?
- Não a tenho ainda nítida, pois a morte me deixou sua perturbação.
8. - Sois feliz?
- Não. Sou desgraçado.
9. - Estais errante ou reencarnado? - Errante.
10. - Recordais-vos daquilo que fôstes na existência anterior a esta? - Eu era um pobre na Terra. Invejei as grandezas terrenas
e subi para sofrer.
11. - Se puderdes renascer na Terra, que condição escolhereis de preferência?
- A obscura: os deveres são menores.
12. - Que pensais agora da posição que ocupastes ultimamente na Terra?
- Vaidade do nada! Quis conduzir os homens. Sabia eu coudurir-me a mim mesmo?
13.- Dizia-se que já há algum tempo a vossa razão estava alterada. É verdade?
- Não.
14. - A opinião pública aprecia aquilo que fizestes pela civilização do Egíto; por isto vos coloca entre os grandes príncipes.
Ficais satisfeito por isto?
- Que me importa? A opinião dos homens é o vento do deserto que levanta o pó.
15.- Vêdes com prazer os vossos descendentes seguindo o mesmo caminho? Os seus esforços vos interessam?
- Sim, porque êles têm por objetivo o bem comum.
16. - Entretanto sois acusado de atos de grande crueldade: agora vos lamentais?
- Eu os expio.
17. - Vêdes aquêles a quem mandastes massacrar? - Sim.
18. - Que sentimento experimentam êles a vosso respeito? - ódio e piedade.
19. - Desde que deixastes esta vida não mais revistes o sultão Mahmud?
- Sim: em vão fugimos um do outro.
20. - Que sentimento experimentais reciprocamente? - O de aversão.
21.- Qual a vossa opinião atual sôbre as penas e recompensas que nos esperam depois da morte?
- A expiação é justa.
22.- Qual o maior obstáculo que tivestes de vencer para a realização de vossos planos progressistas?
- Eu reinava sôbre escravos.
23.- Pensais que se o povo que tivestes de governar fosse cristão teria sido menos rebelde à civilização?
- Sim: a religião cristã eleva a alma; a maometana apenas fala à matéria.
24.- Quando vivo, vossa fé na religião muçulmana era absoluta? - Não: eu considerava Deus maior.
25.- Que pensais agora dessa religião? - Ela não forma os homens
26.- Na vossa opinião Maomé tinha missão divina? - Sim, mas a desvirtuou
27.- Em que a desvirtuou? O homem progride sempre: a melhor perdurará.
- Êle quis reinar.
28.- Que pensais de Jesus? Este vinha de Deus.
29.- Na vossa opinião quem fêz mais pela felicidade humana: Jesus ou Maomé?
- Porque o perguntais? Qual o povo que foi regenerado por Maomé? A religião cristã saiu pura das mãos de Deus; a
maometana é obra de um homem.
30.- Credes que uma destas duas religiões esteja destinada a apagar-se da face da Terra?
31.- Que pensais da poligamia, consagrada pela religião muçulmana? - É um dos laços que retêm na barbárie os povos
que a professam.
32.- Credes que a escravidão da mulher seja conforme os desígnios de Deus?
- Não: a mulher é igual ao homem, de vez que o Espírito não tem sexo.
33.- Diz-se que o povo árabe não pode ser conduzido senão pelo rigor. Não pensais que os maus tratos, em vez de o
submeterem apenas o embrutecem?
- Sim; é o destino do homem: avilta-se quando escravizado.
34.- Podeis vos transportar à Antigüidade, quando o Egíito era florescente, e dizer-nos as causas de sua decadência
moral?
- A corrupção dos costumes.
35.- Parece que ligais pouca importância aos monumentos históricos que cobrem o solo do Egito. Não podemos
compreender tal indiferença por parte de um príncipe amigo do progresso.
- Que importa o passado! O presente não o substituiria.
36.- Poderíeis explicar-vos mais claramente?
- Sim. Era desnecessário relembrar ao egípcio degradado um passado muito brilhante, poís não o teria
compreendido. Desdenhei aquilo que me parecia inútil. Eu não podia enganar-me?
37. - Os sacerdotes do antigo Egito conheciam a doutrina espírita?
- Era a dêles.
38. - Recebiam manifestações?
- Sim.
39.- As manifestações recebidas pelos sacerdotes egípcios tinham a mesma fonte que as recebidas por Moisés?
- Sim. este foi iniciado por aquêles.
40.- Por que, então, as manifestações recebidas por Moisés eram mais potentes que as recebidas pelos sacerdotes
egípcios?
- Moisés queria revelar, enquanto os sacerdotes egípcios queriam apenas ocultá-Ias.
41.- Pensais que a doutrina dos sacredotes egípcios tivesse quaisquer ligações com a dos indianos?
- Sim. Tôdas as religiões-mães estão ligadas entre si por laços quase invisíveis: procedem de uma mesma fonte.
42.- Destas duas religiões, isto é, a dos egípcios e a dos indianos, qual a matriz?
- Elas são irmãs.
43.- Como é que vós, que em vida éreis tão pouco esclarecido sôbre êstes assuntos, podeis agora responder com tanta
profundeza?
- Outras existências me ensinaram.
44. - Então no estádo de erraticidade, em que agora vos encontrais, tendes pleno conhecimento de vossas existências
anteriores? - Sim; salvo da última.
45. - Então vivestes ao tempo dos Faraós?
- Sim; três vêzes vivi na terra egípcia: como sacerdote, como mendigo e como Principe
46 -Sob que reinado fostes sacerdote?
- Já faz tanto tempo! O príncipe era o vosso Sesóstris.
47. - Assim sendo, dir-se-ia que não progredistes, pois que agora expiais os erros de vossa última existência
- Sim; progredi lentamente. Acaso eu era perfeito por ser um sacerdote?
48. - É porque fostes sacerdote naqueles tempos que nos pudestes falar com conhecimento de causa da antiga religião dos
Egípcios?
- Sim. Mas não sou suficientemente perfeito para poder tudo saber: outros lêem no passado como num livro aberto.
49. - Poderíeis nos explicar o motivo da construção das pirâmides? - É muito tarde.
50. - Não vos faremos senão esta pergunta. Pedimos que tenhais a bondade de a responder
- Não; é muito tarde. Esta pergunta traria outras mais.
51. - Poderíeis fazer-nos o favor de responder em outra ocasião? - Não me comprometo.
52. - Não obstante, nós vos agradecemos a benevolência com que nos respondestes às outras perguntas.
- Bem ! Eu voltarei.
(1) Mehemet-Ali nasceu em 1769 em Kavala, na Romélia. Em 1805 foi feito paclui do Egito. Participou, ao lado do sultão, ao qual há uma alusão neste diálogo, da guerra greco-turca. Depois voltou-se contra o sultão, em duas guerras contra •. Porta, em 1832 e 1839. Vitorioso, com a ajuda de seu filho Ibrahim, foi aquêle sultão obrigado a reconbecer a hereditariedade do pachalato do Egito. Para tanto, destruiu a milícia turca do Cairo, em 1811; organizou o Estado à maneira européia, principalmente a agricultura, as indústrias e o exército. Faleceu em 1849. Foi o verdadeiro criador do Egito moderno. (N do T.)
Autor: Allan kardec
Fonte: Revista Espírita 1858