XVI
O Dezembargador Saboya Lima, Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em alocução proferida na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, disse o seguinte: ,
“O problema de proteção legal do menor é essencialmente de assistência.
A delinquência infantil é, em regra, resultante do abandono. Enfrentar êste problema é dever primordial do Estado.
Preliminarmente, fica estabelecido:
Pelo que a ação do Estado deve ser:
Convém acentuar que o digno magistrado-, com experiência própria, visto que conhece o problema de perto, por ter exercido as funções de Juiz de Menores, pondera muito bem que “O ESTADO NÃO TEM ELEMENTOS PARA, POR SI SÓ, RESOLVER O PROBLEMA DA FAMÍLIA”. (“Jornal do Comércio” de 20-4-47).
Justamente êste ponto é que nos leva a repetir que “não podemos esperar que o Estado venha realizar aquilo que o Espiritismo está realizando nas obras de assistência”, porque o Estado não póde penetrar nas feridas da alma para localizar a origem de muitos males sociais. A administração pública vê o exterior do problema, enquanto a verdadeira assistência, para ser completa, deve ir ao interior, isto é, à fonte dos desequilíbrios domésticos, procurando corrigir inclinações e defeitos que escapam à observação comum. O Estado ataca os efeitos, mas o que é verdade é que as causas ficam, e não se removem por simples providências administrativas.
Com estas reflexões, podemos formular a seguinte pergunta: deve o movimento espirita interessar-se pelos problemas sociais ? Certamente. A missão do Espiritismo na terra é justamente preparar condições para o progresso do espírito. Como realizar tamanha tarefa ? Procurando melhorar a sociedade. O Espiritismo é, por natureza, uma doutrina que predispõe o espírito para o trabalho. A fé estática, por fôrça das próprias transformações por que vem passando a sociedade humana, está cedendo lugar à fé ativa ou dinâmica, em consonância com o espírito do século XX, a cujas solicitações de ordem espiritual, social e cultural não podemos ser indiferentes. A doutrina espirita sustenta êste postulado: “Deus quer que o homem pense nele, mas não quer que só nêle pense, pois que lhe impôs deveres a cumprir na terra”. (LIVRO DOS ESPÍRITOS” — Parte 3.a n. 657).
Conquanto não possamos tratar apenas do lado material da vida, porque, se assim fosse, procederíamos com a mesma frieza do Estado, é óbvio que não devemos deixar a sociedade entregue a si mesma, conduzida por forças desencontradas, sujeita a crises desastrosas, quer no campo social, quer no campo moral. A bôa organização social é previdente. Antes de se levar assistência ao indivíduo que está na cadeia, o que se deve fazer é afastar os fatores do crime e da perversão moral, evitando que o indivíduo chegue ao extremo de apelar para qualquer solução criminosa. A sociedade previdente, portanto, não espera o desastre para dar assistência ao delinquente, quando o fato já está consumado: vai às causas do mal para evitar que o indivíduo se torne criminoso.
A ação social do Espiritismo corresponde justamente ao espírito de previdência com que devem ser encarados os diversos e complexos fatores da dissolução, da decadência de costumes, do desajustamento de muitos indivíduos deslocados. Não devendo o problema ser considerado apenas pelos efeitos, porque as soluções precisam ser definitivas e não transitórias, é natural, é compreensível que se procurem as raizes da desordem social, na família. na educacão da infância, na formação da juventude, sem deixár de levar em conta a deficiência dos meios de que se serve a máquina do Estado. A falta de lisura até na esfera do interêsse público, assim como a fraude, o suborno, a especulação, a mentira organizada sob artifícios políticos, e tantos outros males que afligem e corrompem a sociedade, notadamente a ausência de escrúpulo profissional, invadindo ramos da atividade pública e particular, são reflexos, em grande parte, da precária formação moral do povo. Da família à escola primária, da escola primária ao estudo das humanidades, do ginásio à escola superior, da academia á vida pública, o contágio da decadência se alastra francamente, sem que a simples fiscalização do Estado possa deter a onda impura da perversão. E o resultado aí está: uma sociedade em verdadeiro cáos, incapaz de se refazer moral, económica e socialmente de uma guerra de cinco anos.
Poderia, pois, o movimento espirita,, que se bate pela recristianízaçao do mundo, fechar os olhos aos problemas humanos? Poder-se-ia acomodar o retraimento ou a displicência com o seguinte argumento: se tudo tem sua razão de ser, se não cai uma folha sem ser pela vontade de Deus, não podemos nós, com fôrças humanas, remover aquilo que está na sabedoria das leis universais. Tal atitude seria cômoda, cada um de nós cruzaria os braços e deixaria a sociedade como está, ainda que o abismo estivesse à vista. Cairíamos então no fatalismo. Não é assim, porém, que a doutrina espirita encara os problemas da terra.
Diz a doutrina que cabe ao Espiritismo fazer a caridade penetrar no coração humano. Certamente para tanto é preciso exemplo, atitude, e não apenas teoria sem obras. É certo que a caridade não está exclusivamente na assistência material. Mas o pensamento evangélico é bem claro quando nos aponta os deveres humanos, todos êles resumidos na eloquência e na síntese de um só mandamento: "Amai-vos uns aos outros”. Naturalmente esta expressão não tem sentido teórico, porque se aplica sem discrepância nem confusão, às coisas do espírito e às necessidades da matéria.
Encontramos no Evangelho, que não deve ser interpretado ao pé da letra, a seguinte passagem: “Não prepareis saco para a viagem, nem dois fatos, nem calçados, nem cajado, porquanto aquêle que trabalha merece ser sustentado”.
Não devemos vêr nestas palavras um conselho destinado a estimular a displicência “Naquela época — diz o comentário ao texto evangélico — nada tinham de estranháveis estas palavras que Jesús dirigiu a seus apóstolos, quando os mandou, pela primeira vez, anunciar a bôa nova. Estavam de acordo com os costumes patriarcais do Oriente. Entre os povos modernos, o desenvolvimento da civilização houve de criar costumes novos”. Os modos de vida são variáveis, segundo as épocas e as circunstâncias. A doutrina espirita é muito precisa, muito lógica; tanto assim, que diz textualmente: "Se Jesus voltasse hoje, já não poderia dizer a seus apóstolos: Ponde-vos a caminho sem provisões”. (“O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO” — cap. XXV, n.° 11).
Não podemos, portanto, conciliar o nosso desinteresse, a nossa imprevidência com os ensinos do Espiritismo, porque a doutrina, ao contrário, nos impele para o trabalho, fazendo-nos compreender a realidade dos problemas humanos.
Autor: Deolindo Amorim
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