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Vade Mecum Espírita

Prefácio do Livro Levitação


 
Entre os homens eminentes que buscam, pelo método ex­perimental, aprofundar o estudo das causas dos fenômenos psíquicos, encontra-se o ilustre Rochas d'Aiglun (Eugène-Au­guste-Albert, Conde de) pertencente a uma antiga família que possuiu o feudo d'Aiglun, perto de Digne, desde o meado do século XV até a época da Revolução em 1789.
Depois de ter feito brilhantes estudos literários no Liceu de Grenoble, começou a estudar o Direito para entrar na ma­gistratura, como seu pai e seu avo; porém, não sendo o estudo das leis suficiente para a sua atividade intelectual, ele passou a estudar outras ciências. Em 1836 obteve o prêmio de honra de matemáticas especiais e, no ano seguinte, foi recebido na Escola Politécnica de Paris. Em 1861 entrou para o Exército na qualidade de tenente de engenheiros, promo­vido a capitão por merecimento em 1864, tomou parte na guerra de 1870-71, e foi nomeado comandante de batalhão em 1880. A fim de entregar-se com maior liberdade aos trabalhos cien­tíficos a que era afeiçoado, deixou prematuramente em 1889 o serviço militar ativo, e entrou para a Escola Politécnica na qualidade de diretor civil (1), passando para a reserva com o posto de tenente-coronel.
Os trabalhos militares e científicos do Coronel de Rochas são consideráveis; conhecendo a fundo tudo o que tem sido escrito sobre as ciências psíquicas, experimentador consumado, contribuiu em larga escala para fazer classificar o magnetismo entre as ciências puramente físicas. Estudou a polaridade, contribuiu para a classificação atual das fases do sonambu­lismo, observou metodicamente os fenômenos espíritas, desco­briu a exteriorização da sensibilidade que não era suspeitada e mostrou o mecanismo do desdobramento físico. (2)
Membro de várias sociedades sábias, oficial da Legião de Honra, da Instrução Pública, de São Salvador (Grécia), e das Ordens de São Maurício e São Lázaro (Itália); comendador das Ordens da Sant'Ana (Rússia), do Mérito Militar (Espanha), de Medjidié (Turquia), de Nicham (Túnis), do Dragão Verde (Anam), o Coronel de Rochas é um dos sábios a quem o Espi­ritualismo e o Magnetismo contemporâneo mais devem.
O presente volume, conquanto se subordine ao título geral da sua obra A Levitação, compreende não só alguns outros pequenos trabalhos do mesmo autor (Os Limites da Física, A Física da Magia, e parte da sua introdução ao livro Os Eflúvios Ódicos), mas ainda o trabalho do Sr. Dr. Carl du Prel sobre Gravitação e Levitação, tendo o Sr. de Rochas permitido e recomendado especialmente essa compilação, em carta que se dignou dirigir-nos.
A levitação é o erguimento espontâneo dum corpo no es­paço. De todos os fenômenos psíquicos não há certamente nenhum que pareça mais em contradição com o que se chamam leis da Natureza, e, entretanto nenhum outro se presta menos à fraude. Desde tempos imemoriais tem constatado fenômenos de levitação em todos os países; as histórias religiosas de todos os países assinalam numerosos casos de levitação de seus Santos, e hoje, às pessoas que gozam dessa faculdade, chamam-se médiuns. Em apoio dessas linhas mencionaremos o que nos diz Apollonius de Tyana: Vi, diz ele, esses brâmanes da Índia que habitam sobre a terra e que aqui não habitam que têm uma cidadela sem muralhas e que nada possuem, e, entretanto possuem tudo. Deve-se compreender por essas pa­lavras: que habitam sobre a terra e que aqui não habitam, o fenômeno de levitação. A ciência dos brâmanes lhe foi perfei­tamente ministrada logo que estes conheceram o fim da sua visita. Assim que ele chegou à sua presença, o chefe lhe disse: Os outros homens necessitam perguntar aos estranhos quem eles são, donde vêm e o que desejam. Nós, pelo contrário, como primeira prova da nossa ciência, já sabemos tudo isso; julgai-o por vós mesmo. O clarividente contou então a Apol­lonius os principais acontecimentos da sua vida, falou-lhe da sua família, de seu pai, de sua mãe, do que ele tinha feito, etc., etc. Apollonius, cheio de admiração, suplicou então aos brâma­nes que o iniciassem nessa ciência tão profunda, tão sobre-hu­mana, o que lhe foi concedido. Depois de ter completado seus anos de provas, voltou à Europa, onde sua clarividência e as curas que fez maravilharam a todo o mundo.
Eis agora uma tentativa de explicação dos fenômenos de levitação, segundo o Sr. Ernest Bosc, autor de diversas obras de ciência oculta: Sabe-se que a Terra é um imenso ímã; diversos sábios o tem dito, entre outros, Paracelso. A Terra está portanto carregada duma eletricidade que denominaremos eletricidade positiva, gerada incessantemente no seu interior ou centro, que é um centro de movimento. Tudo o que vive sobre a superfície da Terra: animais, plantas, minerais, enfim, todos os corpos orgânicos, estão saturados de eletricidade negativa, isto é, eles se carregam espontaneamente, constantemente e duma maneira automática, por assim dizer, de eletricidade ne­gativa, isto é, da qualidade contrária à da Terra. O peso ou a força de gravidade não é mais que o resultado da atração ter­restre; sem esta, não haveria peso, e o peso é proporcional à atração, isto é, se esta for duas, trás ou quatro vezes mais forte, o peso da Terra será duas, trás ou quatro vezes maior. Portanto, se o homem chegasse a vencer essa força atra­tiva, não haveria razão que o obstasse a se elevar ao ar, como o peixe o faz na água.
Por outro lado, sabemos que o nosso organismo físico pode ser vivamente influenciado pela ação duma vontade enér­gica; esta ação da vontade pode, pois transformar o estado de eletricidade negativa do homem em eletricidade positiva; então, sendo a Terra e o homem de eletricidade isônomas, se re­pelem; desaparecendo a lei de gravidade, é fácil ao homem elevar-se no ar enquanto durar a força repulsiva (3). O grau de levitação varia, pois, de acordo com a intensidade, a capaci­dade e a carga elétrica positiva que ele pode condensar no seu corpo. Desde que um homem pode à vontade armazenar no seu corpo certa porção de eletricidade positiva, fácil lhe é mudar de peso; executa esse ato tão naturalmente como o da respiração.
Ainda que essa explicação dada pelo Sr. Ernest Bosc possa também aplicar-se à levitação de objetos e móveis, pois que neste caso é igualmente necessário o concurso dum mé­dium ou pessoa que forneça a necessária eletricidade positiva, parece-nos, entretanto que ela poderá ficar mais completa e satisfatória se dissermos que, na maioria dos casos, é indispen­sável à ação de Espíritos ou almas que saibam inverter a polaridade do corpo humano. Compreende-se que uma simples prece, certo estado dalma, uma mudança de atmosfera ou de meio, a expectativa duma sessão ou um desejo manifestado por tais ou tais vibrações no ambiente fluídico ou astral, tenham em alguns médiuns a propriedade de inverter a polaridade de seu perispírito ou corpo fluídico, de modo que o corpo físico sofra igual ação. É mesmo natural que isto se opere automa­ticamente, sem o médium saber como, não obstante haver ai somente uma ação sua, mas cujas conseqüências sobre o me­canismo da Natureza ele não apreende completamente.
Agora, já que nos referimos ao astral, permita-nos o leitor que entremos a esse respeito em algumas explicações, visto que não as dá aqui o Sr. de Rochas e elas são necessárias para a boa compreensão dos fenômenos por ele relatados.
O astral é, segundo Stanislas de Guaíta, o suporte hiper­físico do mundo sensível; o virtual indefinido de que os seres corporais são, no plano inferior, as manifestações objetivas. Não nos deve surpreender se chamarem alma cósmica a essa luz secreta que banha todos os mundos. Pode-se ainda legitima­mente chamar-lhe esperma expansivo da vida e receptáculo imantado da morte: pois tudo nasce dessa luz (pela materiali­zação ou passagem de potência em ato), e tudo deve ser nela reintegrado (pelo movimento inverso, ou retorno do objetivo concreto ao subjetivo potencial).
Como a eletricidade, o calor, a claridade, o som, etc. (seus diversos modos de atividade fluídica), ela é ao mesmo tempo substância e força. Os que só vêem nela o movimento labo­ram em grave erro: como imaginar um movimento efetivo, na falta de alguma coisa que seja movida? O nada não vibra. Conceber uma agitação qualquer ou alguma outra qualidade no vácuo absoluto é manifestamente absurdo. E reduzir a luz astral ao abstrato do movimento, é fazer dela um ser de razão, o que é o mesmo que negar sua existência, embora latente. Deve-se portanto defini-la: uma substancia que manifesta uma força; ou, se prefere, uma força que aciona uma substância: as duas são inseparáveis. Como substância, nós o dissemos, a luz astral deve ser considerada o substrato de toda a matéria; o potencial de toda realização física; a homogeneidade, raiz de toda diferenciação. É a expressão temporal de Adamah -, esse elemento primordial donde, segundo Moisés, foi tirado o ser do universal Adão: ou, para nos servirmos da linguagem esotérica, essa terra de que o Altíssimo fez o primeiro homem. Como força, o Astral nos aparecerá como virtuado pelo influxo e refluxo dessa essência viva a que chamaremos, de acordo com Moisés, Nepheseh-ha-chaiah, o sopro da vida. Para motivar esse fluxo e refluxo da alma vivente, basta pintá-la puxada, por assim dizer, entre dois ímãs: em cima, Roúach Elohim, sopro vivificador da substância coletiva, homogênea, edenal; embaixo, Nahash, agente suscitador das existências individuais, particula­res, materializadas. É o princípio da divisibilidade em face do princípio da integração; é o parcelamento do Eu nascente ou a nascer, que se opõe à unidade do Seu eterno.
Dessa oposição resulta um duplo dinamismo de forças hostis, que convém ser ambas estudadas na sua própria natu­reza e na lei do seu mútuo mecanismo. Voltando então a Nahash, compreenderemos mais facilmente o mistério do fluido luminoso de mesmo nome, com o contraste das suas correntes opostas e seu ponto central de equilíbrio.
A luz astral é, enfim, a substância universal animada, mo­vida em dois sentidos inversos e complementares, pelo efeito duma polaridade dupla, do pólo integração ao pólo dissolução, e vice-versa. Ela sofre com efeito duas ações contrárias: o poder de expansão fecundo, a luminosa Jónah, efetiva das ge­rações e dispensados da vida, por um lado; e pelo outro, o poder de constrição destrutor das formas, o tenebroso Hereb, agente principal da morte, e por isso da reintegração (retorno dos indivíduos à coletividade; da matéria diferençada e transi­tória, à substância una permanente e não diferençada).
Segundo outros autores, podemos também dizer que o astral é o laço físico, embora parcialmente imaterial, que liga o mundo material ou físico ao mundo invisível ou espiritual.
O fluido astral, condensado em corpo astral, é uma das grandes forças da Natureza. É muito abundante, e de todos os corpos emana esse fluido sob a forma de aura ou eflúvios ódicos. O fluido astral que permite a materialização dos corpos de seres mortos ou vivos; produz então o duplo humano. A força que o põe em movimento e que lhe é inerente, chama-se magnetismo; Allan Kardec chamou a isso princípio vital. No infinito, essa substância única é o éter (4). Nos astros que ele imanta, torna-se luz astral. Nos seres organizados, luz ou fluido magnético. No homem, forma o corpo astral ou mediador plástico. A vontade dos seres inteligentes atua diretamente sobre esse fluido e, por seu intermédio, sobre toda a natureza submetida às modificações da inteligência. Esse fluido luminoso é o espelho comum de todos os pensamentos e de todas as formas; conserva as imagens de tudo o que existiu; os reflexos dos mundos passados e, por analogia, os esboços dos mundos futuros.
Mesmer viu nessa matéria elementar uma substância indi­ferente ao movimento como ao repouso. Submetida ao movi­mento, ela é volátil, caída no repouso é fixa; mas ele não compreendeu que o movimento é inerente à substância primor­dial; que esse movimento resulta não da sua indiferença, mas da sua aptidão combinada a um movimento e a um repouso equilibrados um pelo outro; que o repouso absoluto não está em parte alguma da matéria universalmente viva, mas que o fixo atrai o volátil para fixá-lo, no entanto que o volátil atua sobre o fixo para volatilizá-lo. Que o pretendido repouso das partículas aparentemente fixadas não é mais que uma luta for­midável e uma tensão maior das suas forças fluídicas que se imobilizam, neutralizando-se. É assim que, segundo Hermes, o que está em cima é análogo ao que está embaixo, a mesma força que dilata o vapor, condensa e endurece o gelo; tudo obedece às leis da vida inerente à substância primitiva; esta substância atrai, repele, coagula-se e dissolve-se com uma cons­tante harmonia; é dupla ou andrógina; abraça-se e fecunda-se; luta, triunfa, destrói, renova-se, mas nunca se abandona à inér­cia, porque a inércia seria a sua morte.
Essa matéria universal é chamada ao movimento pela sua dupla imantação e procura fatalmente o equilíbrio. A regulari­dade e a variedade do seu movimento resultam das combi­nações diversas do equilíbrio. Um ponto equilibrado de todos os lados fica imóvel porque é dotado de movimento. O fluido é uma matéria em grande movimento e sempre agitada pela variação dos equilíbrios. O sólido é a mesma matéria em pe­queno movimento ou em repouso aparente, porque é mais ou menos solidamente equilibrada. Não há corpo sólido que não possa imediatamente ser pulverizado, esvair-se em fumo e tor­nar-se invisível, se o equilíbrio das moléculas cessarem de repente. Não há corpo fluido que não possa no mesmo instante tornar-se mais duro que o diamante, se puderem equilibrar imediata­mente suas moléculas constitutivas. Dirigir os ímãs é portanto destruir ou criar as formas, é produzir em aparência ou ani­quilar os corpos, é exercer a onipotência da Natureza.
Nosso mediador plástico (perispírito ou corpo astral) é um imã que atrai ou repele a luz astral sob a pressão da vontade. E um corpo luminoso que reproduz com a maior facilidade as formas correspondentes às idéias; é o espelho da imaginação. Este corpo nutre-se da luz astral, exatamente como o corpo orgânico se nutre dos produtos da terra. Durante o sono, ab­sorve a luz astral por imersão, e, durante a vigília, por uma espécie de respiração mais ou menos lenta.
Para resumir, diremos que o corpo astral é o duplo perfeito do nosso corpo físico; contribui para moldar este no ato do nascimento e é amoldado conforme o progresso que o Espírito tiver operado na vida. Após a morte, subsistem ainda, possuindo mesmo todas as sensações, todos os apetites do corpo físico, de acordo com a depuração do Espírito.
O corpo astral durante a vida do homem está nele e fora dele; esta faculdade é que fez dizer que o corpo astral era dotado da quarta dimensão. (5)
E por uma forte concentração da vontade que o homem pode projetar fora de si o seu corpo astral, pelo menos em parte, pois que, se o projetasse inteiramente, seria isso a morte.
O homem pode, portanto aparecer fluidicamente (em corpo astral) a uma grande distância do seu corpo físico. Pode mesmo materializar-se, isto é, aparecer com o corpo físico e, nestas condições, ele possui até certo ponto todas as propriedades do corpo terrestre.
Muitas pessoas que em vida nunca projetaram seu corpo astral, projetam-no dum modo inconsciente no ato da morte; das, as aparições de finados aos seus parentes ou amigos, apa­rições freqüentemente relatadas nas obras espíritas.
Um bom magnetizador tem o poder de exteriorizar o corpo astral do seu sonanbulismo. O hipnotizado torna-se desde então uma coisa do magnetizador, que o faz agir à vontade; pode mesmo, traçando um círculo no chão, encerrar ai o carpo astral do sonâmbulo. Enfim, picando esse corpo com um alfinete, mal­tratando-o, etc., pode fazer experimentar ao sonâmbulo as mes­mas sensações, as mesmas dores, em uma palavra, os mesmos efeitos, como se tivesse operado diretamente no sonâmbulo.
O corpo astral é a própria vida do homem; é ele que serve de bálsamo às nossas feridas, às nossas cicatrizes, a toda es­pécie de feridas que o homem possa ter. É o melhor reconsti­tuinte das nossas forças físicas; reconstitui e refaz qualquer par­te do nosso organismo prejudicada por uma moléstia qualquer. Toda ação boa ou má fica inscrita no astral; mas o corpo astral serve igualmente de receptáculo aos micróbios morais, os quais se propagam por seu intermédio, e, sendo igualmente o registrador do bem, ele nota todas as idéias sãs que produzem o bem da Humanidade. Por aí se vê quanto progrediria a Hu­manidade, se todos os seres dum ciclo, sendo profundamente morais, só fizessem boas ações.
Enfim, apresentando ao nosso público a narração de va­riados fenômenos que se operou com o concurso desse me­diador plástico, estimaremos que ela possa induzir a proveitosos estudos de psicologia.
PITRIS
         Prefácio do autor
 O fenômeno da ascensão dos corpos humanos ou da levitação, para empregarmos o termo hoje consagrado, parece um dos mais extraordinários en­tre os que são devidos à força psíquica que a nossa geração procura definir. Poucos todavia há cuja rea­lidade tenha sido demonstrada por um número mais imponente de testemunhos.
Esses testemunhos agrupei-os aqui, em quatro capítulos diferentes, para não ferir muito as susceti­bilidades que se manifestaram a alguns anos, quando tratei deste assunto num artigo da Revue Scienti­fique, cingindo à reprodução dos fatos por ordem de datas.
De um lado, censuraram-me pela falta de respeito à religião, visto confundir os milagres dos santos com as narrativas mais ou menos falsas da história pro­fana. Do outro, argüiram por ter tomado a sério os absurdos relatados pelos hagiógrafos.
Não me é possível discutir o valor das obras onde colhi esses fatos, pelo menos quanto aos que são antigos. Cada qual lhes atribuirá o valor que quiser.
Este livro é uma simples compilação destinada a for­necer, àqueles a quem o assunto interessar uma co­leção de documentos que, apesar de incompleta, evitará investigações longas e fastidiosas,
ALBERT DE ROCHAS
Autor: Albert de Rochas
Fonte: Levitação
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