Réplica e Conselhos.
XXIII
Julio Diniz
Não venho caturrar como o Eça. Deus me livre de semelhante desacerto. Se não concordo, em absoluto, no princípio em que ele baseia tudo que brilhantemente acaba de dizer-te, concordo inteiramente com o fim.
Já há três anos caturrámos sobre o motivo que hoje nos leva a falar-te. Nem ele nem eu mudamos muito de opinião e nem por isso o mundo deixa de girar.
Concede ele agora que se possam guardar aí dias com a religiosidade com que os maometanos entram nas suas mesquitas. O que não aceita é que todos tenham igual autoridade para o fazerem.
Estamos nisso de perfeito acordo. Assim eu, porque me suponho com direito a constituir uma das exceções, reclamo para mim a liberdade de poder conservar, nas minhas lembranças saudosas da terra, o costume de recordar os dias que aí considerei festivos no templo da Fé ou no templo do Afeto.
Essas recordações têm, para nós, os sentimentais, o poético perfume que se evola das flores secas, dadas pelos nossos amores e religiosamente conservadas em gavetas, que se não abrem, corno as saudades se conservam em corações que se não esquecem.
Será uma pieguice, será o que quiserem; mas é um bem, é um gozo, é urna felicidade, e há aí tão pouco de gozo, de bem, de felicidade, que praticará uma feia ação o que nos quiser despojar dessas pequenas parcelas da nossa pobre riqueza.
Não vai, no que digo, censura ao Eça. Não tenta ele despojar ninguém do que legitimamente possui. O que ele quer é destruir um hábito de hipocrisia, arrancando um bioco, que permite rir a quem quer dar a impressão externa de chorar, ou que permite espumar de raiva, quando finge sorrir amorosamente.
Sob este aspecto, penso. como ele e sinto não poder traduzir como ele o meu pensar.
No uso, pois, do meu direito, aproveito o dia de hoje para vir trazer-te palavras amigas. Bem precisas tu delas, na longa e amarga quadra que vens atravessando.
Não te tem sido a vida, ultimamente, leito de flores, como queria o poeta. Se algumas têm aparecido, têm servido para mais fàcilmente ocultar à tua precaução os espinhos com que te têm querido lacerar.
Bastos momentos de dor te amarguraram o ano findo. Nem à Justiça, nem à Bondade humana fizeste grande dívida por mercês que elas te fizessem; antes parece que tudo se apostou em te querer dar a sensação de que uma e outra haviam emigrado desse mundo.
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O que te sucederá no ano em que acabas de entrar? Não sei; e que o soubesse não to poderia dizer
Sabes que o caminho a percorrer não se pode ganhar de salto. Há-de ser palmilhado, duramente palmilhado.
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Quando aí os homens te hostilizarem, refugia-te em nós. E' que te não conhecem. Não lhes queiras mal por isso. Deixa-os.
Se é legítimo que lhes procures ganhar o apreço, não deves, entretanto, baixar-te a disputar-lhes a comiseraçao . Despreza-a, antes que eles te desprezem pela baixeza. A consideraçao dos homens é coisa bonita, mas é frágil. E' como as bonecas de biscuit: lindas por fora, mas de interior vazio . Não te canses em buscá-Ia. E' como a fortuna: foge aos que a perseguem e persegue os que a desprezam. Ou ela não fôsse feminina ...
A hora da justiça soará para toda a gente. Quando não soe de modo que todos a ouçam, soa, pelo menos, na capelinha da nossa consciência e aí o som da sineta que a anuncia é mais suave e mais lindo que o dos grandes carrilhões das catedrais estranhas.
Conserva tranqüila a tua consciência e deixa que passe a caravana. Em nada servirá para o teu futuro espiritual, a opinião dos outros, em nada; e a tua servirá de muito.
Recorda-te. Quantas vezes te terás sentido rodeado de manifestações carinhosas e admiradoras, tendo o coração sangrando doridamente, atravessado pelo espinho de algum remorso, que ninguém tem o condão de aliviar? E, quantas vezes, ao invés, te sentirás mal apreciado, ofendido, injustamente insultado, tendo a consciência a rir como um bando de cotovias em manhã de Maio?
Entrincheira-te na tua consciência. Esteja ela tranquila e será fortaleza inexpugnável.
Os ódios, as mesquinhices e toda essa longa série de sentimentos condenáveis, que procura assediar-te, não te atingirão na única conquista eterna, a da perfeição espiritual, se não fizeres por merecê-Io.
Pode prejudicar-te aí no pão; mas nem só de pão vive o homem, como disse o Mestre; pode prejudicar-te no apreço dos que te não conhecem; mas esse apreço é fugaz e precário. E' como as areias da praia: o mar, que as leva, as traz novamente. E, quando as não traga, não é isso causa para grande desgosto.
A perda não será grande e louco será quem pensar em fazer construção sobre base tão falsa. Cumpre o teu dever, doa a quem doer, diz-se. Cumpre, pois, o teu para com Deus, para com os outros e para contigo, sem te importares saber qual é o resultado imediato. Se, por isso, te sentires aí insulado, não esqueças nunca que é por tal preço que aumentarás aqui o número dos que te amam e admiram.
E quando esta consideração puramente subjetiva não chegue para animar-te e fortalecer-te nas lutas que vens travando, há outra, de ordem mais real, que tu conheces, a que já me referi, mas que nunca será demais recordar: a tranqüilidade da tua consciência, que é a aprovação dos teus atos na lei imutável da apreciação de Deus.
Quem tiver a companhia amiga da sua consciência serena, tem a melhor companhia na vida. Tem a alma cheia de luz e o coração a cantar. Quem estiver desacompanhado da sua consciência, será como um pobre cego desacompanhado de seu guia. Estará só, no meio da multidão.
Quando a consciência o acusar, verá a acusação nos olhos e nos lábios de toda a gente; mas, quando ela lhe não reprovar os atos, pode todo o mundo berrar maldições, que não as ouvirá, nem se sentirá por elas atingido.
Não constitui, para ti nem para ninguém, novidade o que te digo; mas nunca é demais remem orar e creio que te não podia trazer melhores palavras no dia de hoje, quando vais entrar aí em um novo ano, como se entrasses numa longa estrada desconhecida.
Serenidade. Lembra-te que o teu futuro será obra da tua obra. Não esqueças, jamais, esta grande, esta iniludível verdade.
Autor: Julio Dinis - Médium: Fernando de Lacerda
Fonte: Do País da Luz - Vol.IV