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Publicado hoje no site G1
Por André Trigueiro
"Minhas amigas e meus amigos,
Como se sabe, o Brasil vem enfrentando uma das piores estiagens de sua História, especialmente na região Sudeste, a mais rica e populosa do país.
Acompanhamos de perto a evolução dos acontecimentos nos estados e municípios castigados pela seca, sempre respeitando a autonomia federativa que confere a governadores e prefeitos, dependendo da localidade, a gestão dos recursos hídricos.
De nossa parte, monitoramos a situação dos rios federais que atravessam mais de um estado, como é o caso do Paraíba do Sul, que corta os estados de São Paulo,Rio de Janeiro e Minas Gerais
Apesar de o país dispor de uma Lei Nacional de Recursos Hídricos, da Agência Nacional de Águas, dos Comitês de Bacias Hidrográficas e de outros instrumentos de gestão e governança, este governo entende que é preciso fazer mais. Nesse sentido, a atual crise hídrica representa uma excelente oportunidade para avançarmos ainda mais na direção de um modelo mais inteligente e eficiente de gerenciamento de recursos hídricos.
Decidimos, portanto, tomar as seguintes providências:
- Estou instituindo um Conselho de Notáveis com os mais prestigiados hidrologistas, cientistas e representantes das mais importantes instituições de pesquisa e universidades brasileiras (com pessoas de todos os estados) para que possam instruir o governo sobre como tornar o Brasil não apenas o país com o maior volume de água doce superficial de rio do mundo, mas também o mais eficiente no uso dessa água. Nosso compromisso é o de ampliar este debate com consultas públicas e trabalhar pela implementação das medidas sugeridas ainda este ano.
- Instrui o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, a convocar representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Agência Nacional de Águas (ANA) para que reapresentem as críticas formuladas por essas instituições contra o novo Código Florestal, no que se refere aos riscos que ele representaria às bacias hidrográficas. Em se confirmando que as alterações aprovadas pelo Congresso no texto original dessa lei carecem de estudos devidamente embasados sobre o seu impacto na resiliência dessas bacias, meu compromisso é o de mobilizar todos os esforços possíveis no sentido de reabrir o debate e, se for o caso, defender uma nova mudança na legislação.
- Ordenei ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que apresente no prazo de uma semana propostas de novos estímulos fiscais a produtos e serviços que promovam a drástica redução do consumo de água e energia nos mais diversos setores da economia. É preciso elevar os parâmetros já existentes e apoiar quem já investe em inovação.
- Determinei à ministra da Agricultura Kátia Abreu que realize um amplo levantamento das técnicas mais eficientes no uso de água pelo setor agrícola. Aproximadamente 70% da água doce em nosso país são usados nas lavouras, nem sempre com o devido cuidado ou orientação. O Brasil não pode continuar promovendo o uso perdulário de água nas irrigações com a utilização de pivô central, aspersores ou culturas de inundação, para citar apenas alguns exemplos de técnicas que já estão sendo abandonadas em muitos países. Há muito o que se avançar neste setor e pretendo ainda neste governo condicionar a concessão de crédito agrícola à eficiência no consumo de água no campo.
- Encomendei ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro, um estudo identificando quais os empreendimentos que mais consomem energia elétrica hoje no país. Nossa intenção é condicionar a liberação de recursos públicos, via BNDES ou outros órgãos de fomento públicos, à apresentação de planos que confirmem a disposição desses setores em serem exemplos de eficiência e inovação.
- Declaro que este governo apoiará ostensivamente a ampla disseminação da água de reuso em todo o território nacional. Instruí o diretor-presidente da ANA, Vicente Andreu, a realizar os esforços necessários para a tão esperada regulamentação técnica da água de reuso, definindo seus parâmetros e características para que não haja mais nenhuma hesitação do mercado em investir nessa direção. Queremos apoiar todas as atividades que utilizem água de reuso em suas rotinas.
- É nosso desejo que todas as companhias públicas ou privadas de água e esgoto no país sejam mais eficientes. Não é possível que registremos em média 37% de perdas de água potável nas redes, desperdiçando preciosos recursos públicos. Para estimular a maior eficiência do setor, pretendemos condicionar a liberação de recursos federais à redução dessas perdas no sistema. Acertaremos caso a caso quais são as metas possíveis e aplicaremos as novas regras de financiamento.
- Este governo deverá encaminhar ao Congresso, logo após a votação para a Presidência da Câmara e do Senado, um projeto de Lei determinando a criação de linhas especiais de crédito para todas as construções que sejam comprovadamente eficientes no consumo de água e energia elétrica, e que possuam certificações reconhecidas internacionalmente.
Encerro meu pronunciamento reconhecendo que esta terrível estiagem nos estimula a sermos ainda mais propositivos na Conferência do Clima que terá lugar em dezembro em Paris. Infelizmente, ao que tudo indica, eventos extremos como esse poderão ser tornar cada vez mais freqüentes em função das mudanças climáticas. Mas é meu dever, enquanto Chefe de Estado da maior potência megabiodiversa do planeta, preparar o país para qualquer dos cenários previstos pelos cientistas. Sinto-me pronta para esta missão.
Convoco todos os brasileiros a unirem forças em favor das nossas águas - o bem mais precioso e indispensável à vida, sem o qual nenhuma atividade humana é possível - que a natureza generosamente nos proporcionou e que mantêm o Brasil em condição ainda invejável perante o mundo neste século XXI.
Boa noite.
OBS: A Presidente Dilma não escreveu esse discurso. Mas neste momento em que a crise hídrica impacta uma população estimada de 46 milhões de brasileiros, qualquer manifestação propositiva da maior autoridade da República seria muito bem-vinda.
André Trigueiro
‘O planejamento precisa prever situações de seca’, diz engenheiro especializado em recursos hídricos
São Paulo – O acadêmico brasileiro Leo Heller vai assumir, em dezembro, o mandato de relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, cargo que foi ocupado nos últimos seis anos pela portuguesa Catarina de Albuquerque. A indicação de Heller foi confirmada quinta-feira, durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da entidade.
Em entrevista ao GLOBO, Heller afirma que a crise hídrica enfrentada por São Paulo é um problema de planejamento e não de falta de chuvas, como costuma sustentar o governo paulista. Segundo ele, a falta de acesso a água e saneamento não acontece só em países pobres ou em desenvolvimento. Para exemplificar, cita o caso de nações europeias em crise.
Recentemente, Heller foi um dos responsáveis por coordenar um grupo de acadêmicos responsáveis pela pesquisa Panorama do Saneamento Básico no Brasil, utilizada pelo Ministério das Cidades para fazer o Plano Nacional de Saneamento, cujo decreto foi publicado ano passado. O plano estabelece metas e diretrizes para serem seguidas por estados e municípios nos próximos 20 anos, somando investimentos de R$ 508 bilhões.
Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 1977, Heller se especializou nas áreas de engenharia sanitária, saúde pública e Recursos Hídricos, concluindo o pós-doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra, em 2005. Professor do curso de pós-graduação da UFMG, ele diz que está de mudança para a Fundação Oswaldo Cruz.
Como o senhor avalia a crise hídrica que São Paulo atravessa?
Um dos grandes problemas dos sistemas de água e esgoto no Brasil é a falta de planejamento. Esse é um mal que temos que enfrentar porque está em todas as áreas, e não só no saneamento. Não me parece plausível quando um gestor diz que está faltando água por causa de mudança no clima. Claro que há problemas de mudanças climáticas. Mas o planejamento precisa prever situações de seca emergenciais e como enfrentá-las. Esta seca que está afetando o Sudeste pegou muitos sistemas desprevenidos.
Faltou planejamento?
Se, de forma geral, os gestores fizessem o planejamento de forma adequada, poderiam evitar os problemas, em vez de buscar soluções depois que eles acontecem. Sabemos que agora os governos de São Paulo e Rio estão discutindo a transposição do Rio Paraíba do Sul. Com planejamento, se essa obra fosse realmente necessária, teria sido feita antes e não durante a crise.
Que outras lições os governantes deveriam tirar da crise?
Recentemente estive num fórum sobre água na Colômbia e um colega falou uma coisa muito interessante: nosso sistema de água é linear. Captamos água em um lugar, usamos e despejamos como esgoto tratado em outro. E se esse sistema fosse circular? Temos que pensar mais em como fazer a água retornar ao sistema, seja por meio de reúso ou captação da chuva.
O governo de São Paulo pretende usar esgoto tratado no abastecimento…
Sim, mas reúso de água não precisa necessariamente ser como o governo de São Paulo propôs, jogando o esgoto tratado no reservatório para voltar ao abastecimento humano. A água de reúso pode ser destinada a usos menos nobres, como regar jardins, por exemplo, ou então servir para dar descarga. Usamos água tratada para dar descarga. Acho que outra coisa importante é trabalhar o planejamento no nível legislativo, por meio de leis que ofereçam descontos para prédios novos que captem água da chuva.
Pretende fazer algum relatório sobre falta de água no Brasil?
Como relator da ONU, uma das minhas obrigações é fazer duas missões por ano e apresentar os relatórios nas reuniões do Conselho de Direitos Humanos. A atual relatora esteve no Brasil no fim do ano passado e já escreveu sobre o país.
Ela chegou a ser criticada pelo trabalho. Como o senhor vê isso?
A relatora fez um excelente trabalho em seus dois mandatos. O Brasil é um país de realidade muito complexa, mas ela fez uma trabalho muito cuidadoso. Uma crítica que ela recebe é que a amostragem não foi suficiente. Mas essa é uma crítica que sempre vai existir, até pelo tamanho do Brasil.
O que o senhor espera do trabalho à frente da relatoria?
Acho que há espaço para fazer muita coisa. Como relator da ONU, posso provocar governos a tomarem decisões que podem ajudar a resolver problemas muito grandes em relação a água e esgoto. Em geral, a população mais pobre é a mais afetada, mas a falta de acesso a água e aos serviços de saneamento não acontece só em áreas pobres. Há problemas em aglomerados urbanos. Recentemente, a própria Catarina preparou um texto sobre Detroit (onde 50 mil famílias tiveram o abastecimento de água cortado no fim de outubro, porque não tinham como pagar as contas).
Que lugares o senhor pretende visitar como relator da ONU?
Um perfil é procurar países extremamente pobres, onde não há acesso suficiente à água. Mas há sérias violações ocorrendo em países que passam por transição, como os do Leste Europeu. Outro caso interessante é o que está acontecendo em países europeus, como Portugal e Espanha, que, por causa da crise econômica, podem excluir populações.
Como foi o processo de candidatura para a vaga?
Inicialmente, abriu-se um processo para a candidatura. Houve 26 candidatos, de várias partes do mundo. Depois, um comitê de seis embaixadores analisou os currículos e fez entrevistas. Fui indicado em primeiro lugar após esse processo, e meu nome foi confirmado na reunião do conselho.
Autor: Tiago Dantas - O Globo
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